Enquanto o café corre na máquina, no cubículo a que se pode chamar copa, o tempo fica suspenso em mim e eu observo os meus polegares.
O cubículo onde corre o café deita para a cantina lá da empresa que a esta hora devia estar deserta, mas não é o caso. O técnico do alarme de incêndio está em cima do escadote a reparar o sensor de fumos junto ao tecto.
Não olho para ele, olho para os meus polegares que exibem unhas de famílias diferentes. A esquerda está sempre bonita e parece que me sorri desde que nascemos as duas, a direita não. Vai mudando a expressão consoante o que lhe oferece o dia, é um pouco achatada e normalmente acho-a feia. Hoje parece que franze o sobrolho. Só em momentos de elevada satisfação me sorri.
O café parou de correr, deve ter-se finalmente cansado.
Pego na chávena, envolvo-a com as mãos que agradecem o calor que a cerâmica rouba ao líquido e generosamente trespassa. O rapaz do sensor dos fumos está a descer do escadote que deve ter duas vezes a sua altura.
Sopro a superfície do café com a chávena junto ao meu nariz para lhe aspirar o vapor e vejo a nuvenzinha branca afastar-se de mim na direcção da cantina que não está deserta.
De repente o técnico, que carrega agora o escadote ao ombro e se dirige à porta, dá pela minha presença dentro do cubículo e faz um trejeito que eu vejo ser um trejeito de quem dá pela presença de uma pessoa dentro de um cubículo com uma chávena de café nas mãos. Estaca o passo. Depois aponta para a porta de saída e diz-me,
- Atão pois feixa a portazinha, atão?
- Fecho fecho, não se preocupe.
Gostei deste técnico de sensores de fumos e da pergunta que acabámos de ler.
Se ele tivesse dito,
- Então depois fecha a porta, fecha?
Eu estaria a esta hora a escrever sobre a última visita ao dentista ou então sobre a sessão de hoje no ginásio que foi particularmente vibrante, ainda estou a sentir o mambo.
Portanto voltemos ao café antes que arrefeça, que era aí que estávamos.
Deixado a sós com os polegares, incentivado pelo aroma que se espalha aqui e sem ninguém por perto a pedir que se fechem portas, o meu cérebro está que não se contem e solta a palavra thumbnails que vem meter conversa comigo.
Eu digo-lhe que podiam bem ter inventado tiny inches ou funny cartoons para nomear a visão das fotos aos quadradinhos no ecrã dos computadores. Mas thumbnails sobrepôs-se e ganhou. Aceito. Para além de ter bom perder, compreendo que as unhas dos nossos polegares podem bem ser factores determinantes na vida de uma pessoa quando o tempo fica suspenso e calha termos uma chávena de café nas mãos e já agora nenhum gadget por perto para brincar (eu não escrevi gajo, é gadget).
Ao segundo golo deste café, inesperadamente, a pergunta,
- E os widgets? Tens widgets?
Termino o café de um trago, não, não trago para aqui widgets, que coisa as palavras vestirem-se de igual e serem tão diferentes, viro as costas à conversa enquanto lavo a chávena na água corrente da torneira e depois apresso-me a tomar a vez na corrida, para que me meto eu nisto, gadget, widget, é dali para fora que vou, fecho a porta obedientemente, bem fechada, e volto ao meu local de trabalho.
Só mais tarde, à hora do almoço, assim como quem não quer a coisa, abordo o meu colega mais novo e informo que lhe vou lançar um desafio enquanto me sai um largo sorriso por cima da sopa: a diferença entre gadget e widget, sabes?
Ele arqueia as sobrancelhas a estranhar o desafio. Sabia. Olho para o colega mais velho na esperança de lhe ver espanto no rosto, jogamos na mesma equipa, verdade? não sabes, pois não? E o mais velho também sabia.
O que eles não sabem e eu não lhes vou dizer é que depois da sessão de mambo vibrante no ginásio, se reparar bem, visto daqui, olha só, estão-me os dois polegares a sorrir.
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