07/02/2014

Umas bofetadas

Toca um telemóvel na sala.

- 'Tou? Sim? Ah olá! Está tudo bem, e vocês?

É o final da tarde de ontem e estou na sessão de informação sobre os perigos que a internet e as redes sociais podem trazer aos nossos filhos, uma sessão para pais oferecida por voluntários de uma empresa de comunicações que se empenham em trazer este bem à comunidade e andam a fazer estas sessões por diversos agrupamentos escolares.

Está, portanto, uma mãe a atender uma chamada. Uma chamada que continua e continua, enquanto sentada na assistência. Virei-me para trás duas vezes a confirmar se não me enganava eu, e confirmei que não, não me engano eu. Depois olhei para a oradora na expectativa de reacção e nada, continuou a orar.

Inquietei-me, mexi-me na cadeira, isto é de um atrevimento atroz, senhores voluntários das comunicações, há que ter em consideração as necessidades das pessoas da assistência.

Ora uma pobre mãe tem o telefone a tocar e atende-o a meio de uma sessão e a oradora continua a falar como se nada fosse?!? Não interrompeu o discurso e não pediu silêncio a todos, para que a senhora pudesse manter a conversa com melhores condições acústicas?! Não.

Havia de interromper, de colaborar, deixemos a senhora terminar a sua chamadinha em paz, pobrezinha, pois isto foi uma maçada vir o telefonema enquanto tanta gente aqui, a incomodar, a querer discutir outras coisas, é preciso ter azar, vamos todos ajudar (como faço isto para não rimar?).

Pois meus senhores a sessão continuou com todo o desplante e sem registo de perturbação, ausência total de solidariedade com esta senhora, cuja chamada lá continua.

Ou vejamos, em tendo havido a interrupção devida no discurso da oradora para dar lugar à chamadinha desta pobre mãe, tinha eu pegado nas batatas que jaziam no chão ao meu lado dentro do saco de plástico do supermercado, visitado por mim em modo de aceleração máxima mas sem ultrapassar o limite de velocidade (na via verde agora há dispositivos, são sessenta quilómetros por hora, aproveito para lembrar) as batatas, dizia eu, que mania de escorregar o pé no pedal, e foi antes desta sessão que as comprei, esta mãe está-me a perturbar de tanto dó que sinto, e é que as descascava com o canivete suíço que devia trazer no bolso, adiantava a sopa para o jantar enquanto a chamadita continuava em paz durante a pausa que a nossa oradora não fez, não era?

Ou então, se tivesse comprado uma nova cor de verniz para as unhas, podia aproveitar e pintava-as com o vagar que me falta toda a semana, foi uma imperdoável falta de lembrança minha e a senhora ali, a falar a falar, a ajudar-me, a dar-me tempo para isto tudo, assim tivesse a safada da oradora permitido, claro. Achei uma austeridade sem dó, qual governo qual quê, esta voluntária é que é.

Ainda me ocorreu, mas que cabeça a minha, que a tábua de engomar também não é assim tão grande e a roupa cresce em pilha sempre a deitar-me o olho de cada vez que passo perto, anda cá que vais ver. Podia tê-la trazido dobrada, à tábua, deitava-a no chão e em havendo esta oportunidade, tinha-me servido de muito e eu não estaria agora toda indignada a escrever isto a esta hora da noite quando já devia estar a dormir.

Portanto, quero deixar aqui a seguinte declaração neste meu querido mural:

Eu, algures assinada, declaro que acho uma total ausência de respeito sem igual, estar um voluntário a ensinar os pais e mães a proteger os seus filhos de se tornarem vítimas da internet, por exemplo do chamado ciberbullying, ou do phishing que também serve para apanhar dados das contas bancárias e surripiar dinheiro a estes pobres pais, estarem a ensiná-los a proteger os seus filhos de predadores sexuais que existem nas redes por detrás de perfis inocentes e não serem capazes de parar de falar, dar um momento de respeito, de pausa, de espaço, a uma pessoa que está a tentar manter uma chamada telefónica meramente circunstancial, isenta de qualquer perigo para a comunidade, isso toda a gente viu, e, em vez disso, continuam.

Pois eu, isto já foi ontem, ainda estou que não posso.

Não posso com esta vontade de dar umas bofetadas, ai era!

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