Para compensar o incompensável, comi um extraordinário, possante,
inchado e estrondoso croissant com chocolate. Quente, como tu.
O momento veio sem eu esperar, era a aula de ginástica
que hoje não houve, e eu meti-o, ao momento, na fenda deste final da tarde
chuvosa que me lavou a alma, o que eu gosto de chuva. Assim sozinha encho-me de ti sem distracções. Não me sentei, na croissanteria não há mesas
nem cadeiras, não há nada senão o essencial. Os fregueses fazem fila mas
hoje não havia, a chuva fecha as pessoas em casa. Tirando eu, estava o
homem do talho com tatuagens nos braços e avental vermelho para não se notar o sangue, de certeza que é, a deliciar-se com um exemplar destes
que já vai a meio, presumo que deve precisar muito de chocolate este homem.
Queimei os dedos com o líquido escuro que sangrava da massa
a fumegar e que cuidei não caísse no chão, já me basta tu sei lá onde.
Não tenho a destreza de quem degusta amiúde estes pedaços de
mau caminho, eu só lá vou duas vezes por ano. Vagueei então pelas montras ao
acaso, vi os sapatos. Detive-me para manobrar mais um fio grosso de chocolate líquido
que quer chegar ao chão depois de me revestir dois dedos, não chegou, mas deu-me
tempo de constatar que os do tipo matacão ainda se vendem, parecem armários
bons para guardar ferramentas. Ou então para caixa de
costura se viessem a pertencer à minha avó.
Passei à montra seguinte, a loja dos brinquedos. Nunca tem ninguém e eu continuo
a achá-los quase todos inúteis. Quanto mais se desenvolvem para subir
no ranking do muito lúdico, menos a
criança tem de imaginar. Enfadada estará ao fim do primeiro tempo, natais e natais que acumulo mostraram-me isto.
Ao imergir nestes pensamentos que não servem para
nada lá se foi a parca destreza e tive de inclinar a cabeça a quarenta e cinco graus, com urgência, para sorver o chocolate a formar piscina no papel que se está a desfazer, mas não me escapa este néctar, são só duas vezes por
ano. Escondi-me atrás da pilha de jogos educativos, que é mais alta que eu, daqui
mesmo inclinada vejo as lupas e as redes de caçar borboletas, a torre eiffel de
construir e um presépio de madeira que custa quase tanto como as botas que quero comprar, escondo-me da lojista que olha para mim fixamente, não vá ela ter ideias brilhantes e
avançar.
Foi aqui que terminou o assunto e eu suspirei. As minhas mãos denunciam na perfeição o que acaba de se passar, ninguém me vê a tricotar meias para bebé. Felizmente a sorte está do meu lado e os lavabos também, de maneira que deslizei lá para dentro e não tomei banho mas praticamente. Pode parecer às pessoas que há exagero, não há. Havia era muito chocolate, muito.
Não sei se este post está a dar sede. A mim costuma dar. Quer dizer, imagino que sim, porque um post destes nunca vi. É único.
És único.
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