A minha colega que apanhou Legionella regressou hoje ao trabalho. Diz que não tem fumado desde
então, sempre foram duas semanas, sorria e estava, pareceu-me, mais brilhante o
seu sorriso. A minha avó, se ali estivesse, teria dito àquela hora há males que vêm por bem.
E eu estou muito de acordo com ela.
Hoje ao final da tarde, quando o trânsito saiu à rua a marcar o ritmo dos dias que caem invariavelmente nos braços das
noites, eu encontrava-me dentro do carro, a minha filha ao meu lado, o
consultório do dentista a ficar para trás, devagar.
Isto não seria interessante notar, se não fosse ter reparado que está uma roda pouco gigante dentro do recinto onde antes pulsava de farturas
e música fanhosa, de luzes coloridas e cheiro a frango assado, de algodão doce colado ao meu nariz e a esperança de mais uma volta na montanha
russa, vá lá, mãe, por favor!, a Feira Popular.
Distraiu-me aquela roda pouco gigante, ou fui eu que cresci?,
e agora distraem-me os gritos da miúda no quarto, porque está aqui uma
borboleta enorme!, das castanhas! e não pára de voar!, ó mãeeeeee!
Difícil não é ter um blogue, difícil é rasgar o tempo sem
doer nada a ninguém e meter-lhe dentro um post, no tempo, fazer uma espécie de sanduíche
de torresmos, assunto que não discuto porque nunca semelhante coisa me cruzou
os dentes, mas há quem aprecie.
Os males que vêm por bem. Há-de ser aqui que chegamos.
Aproveitando o vagar com que rodavam os pneus atrás dos
outros, enquanto a Feira Popular se afasta de nós e eu esqueço o cheiro do
frango assado, lembro-me da velha professora de ginástica do colégio. Ela não morria de amores por mim, acho que nem sabia o meu nome, comigo usava sempre o
apelido. Ao segundo jogo de andebol do sétimo ano, não esqueci, quando viu que eu não metia golo mesmo
nenhum, aliás a bola escolhia muitas mãos, isso era, mas não vinha amiúde aconchegar-se nas minhas, pôs-me o apito pendurado ao pescoço e declarou que a partir dali eu era
o árbitro, tu não jogas nada.
O jogo recomeçou e eu sem ideia certa das regras, esqueci-me
de estudar aquilo, foi ao calhas. Deixei
passar uns minutos e de repente apitei com força.
Porque apitei?!... Ai não era?... Tu vê lá se atinas, que não foi falta! Vou tentar, prometi.
Mais um bocadinho e vejo uma colega muito rápida, parece que
troca as mãos, com certeza aquilo é a tramar alguma, cá vai disto e apito outra vez. Pelo
sim pelo não faço-o com menos força, não vá ser inoportuno apitar naquele
momento e isso aborrecer alguém, com sorte ninguém ouvia, poupava uma maçada a toda
a gente, ouviram. Então?!? Outra vez?!?
A professora apontou os passos largos e o corpo possante para
mim, arrancou-me o apito, tu nem para isto serves, e mandou-me para a baliza, vê
lá se agora defendes.
Não foi estratégia brilhante e isso viu ela daí a
poucochinho quando alguém se lembrou de querer meter um golo e o meu instinto não
quis colaborar, mandou-me fugir da bola em vez de me manter à frente dela, aquilo
parecia que vinha cá com uma força, portanto o golo entrou muito bem, aliás viu-se
ao longo do jogo que veio mesmo com a família toda, à vez, que o instinto é
coisa forte, dificilmente se vira ao contrário e o meu não foi excepção.
Aspirei a borboleta castanha enorme que não parava de voar, com o cano do aspirador apontado ao tecto e a miúda sossegou, já está tudo a
dormir.
Tudo menos eu, que não sei como fazer este mal que sou no andebol, vir por bem.
Tudo menos eu, que não sei como fazer este mal que sou no andebol, vir por bem.
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