Fala-se imenso do amor. E fala-se das coisas do facebook, de música má e de sushi,
pagam-se contas pela internet e
vêem-se montras nos centros comerciais aos domingos. E moda, fala-se da moda, desdenham-se
os políticos, usa-se muito o desdém, vendo bem combina com os metais
alaranjados que são a tendência deste ano em relojoaria, isso já eu percebi.
Também se mastigam almoços de boca aberta com a cabeça inclinada ao tecto a
olhar as notícias do jornal da uma na televisão dos restaurantes. Ou então, isto vê-se
muito, tecla-se no aparelho electrónico que nos liga uns aos outros.
Ou desliga uns dos outros. Mas amor, era aqui que queríamos ir.
Fala-se do amor. Até se faz publicidade com o amor. É
normal. Reduzir o amor a um par de gargalhadas soadas em muitos lados, dentro
de carros parados em semáforos, nas cozinhas das casas das pessoas ou
nas lojas, soam do outro lado da emissora rádio por causa de um reclame
imbecil sobre uma bela loira que afinal era uma cerveja. Reduções baratas de
coisas grandes porque a loira era para ser o amor de alguém mas não passou de
uma fermentação bem maltada ou assim para se beber bem fresca. Qual amor?
Não é preciso falar do amor. Não falemos do amor. É preciso é fazer o amor.
Não merece a pena neste ponto incendiar entusiasmos e abrir
expectativas, que eu não tenho arte para me esticar por terrenos delicados, há
muitas maneiras de se cozinhar bacalhau e o amor português também joga nesse
time.
Hoje. Na cantina lá da empresa onde todos os dias me
encontram normalmente dentro da minha bata cujo corte não conheceu alfaiate,
assim como muitos edifícios – quase todos – em Lisboa não sabem o que é um
arquitecto, adiante que esta mágoa carregá-la-ei para a cova - abandonei a
linha de alimentos onde me servi de vários, e sentei-me à mesa onde pousei o meu tabuleiro. À minha frente
a Carla já vai adiantada mas o seu tabuleiro exibe ainda inteiro um dióspiro
vermelhinho de maduro, coisa tão rica que até me veio um bocado de água à boca. No meu tabuleiro
uma maçã assada raquítica a envergonhar-se, mas que amor.
- Ó dona Esmeralda, onde estão os dióspiros? Eu só encontrei
esta maçã assada resmenga e salada de
frutas, que é coisa que não como.
- Res… quê? – a dona
Esmeralda aproxima-se da mesa a esfregar as mãos no avental.
- Resmenga, dona
Esmeralda, inventei a palavra e por acaso faz muito sucesso.
Não passou um minuto e eu tinha no meu tabuleiro um dióspiro
nascido de uma prateleira escondida lá das coisas da dona Esmeralda. Ora isto é
amor. No fim houve que lavar as mãos e a boca, mas isso foi o menos, que me regalei à grande.
Esta manhã, eu ainda na cama. Abre-se a porta do quarto e
entra uma chávena de café a fumegar e – já sabemos esta parte – a aromatizar o
espaço como mais nada o pode fazer. Agarrada à alça da chávena vem a minha filha mais
velha a sorrir, é mesmo linda esta miúda, bom dia, mãe.
Ora isto é coisa que eu não ensinei à petiza quando era
petiza, portanto só pode ser o quê? Deu-me um beijo na testa e saiu para a escola, até logo. Amor.
E antes que pensamentos cruéis sobre uma
mãe que fica na cama quando as pobres crianças saem de casa para a escola em vez de as conduzir de carro, coitadinhas, vão a pé ou de autocarro, antes que pensamentos assim invadam cabeças, vamos ouvir outra opinião:
(gargalhadas soadas adorei, são muito boas, mas se forem suadas serão ainda melhores, era reflectirmos nisto se faz favor, que é quase natal)
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