20/12/2014

Mais perto

Comecei por varrer as folhas secas que ficaram no terraço esquecidas pelo vento. O sol está cá e está quieto embora seja este um dezembro como os outros, queres ver, sacudo o tapete da entrada da cozinha e ontem à noite o termómetro não deu mais de três graus bem medidos, três graus que agora ao sol se somam, se multiplicam, e depois sentei-me no primeiro degrau da escada de pedra.

O verão parece que ainda não saiu, ficou a fazer horas extra neste terraço onde me deitei a escrever-te novidades que supus serem-no para ti. Tudo verde então e tudo verde agora, se não olharmos ao céu que tem os tons de branco pintados, fiapos de nuvens vestidas de frio contra o azul magnífico. Tons de branco talvez consigas imaginar, eu descrever não sei melhor. Vi um pássaro preto com a cauda vermelha, tem o tamanho de um pardal e fiquei a olhar para ele saltando de poiso em poiso, poleiros escolhidos da malha replicada na vedação que delimita o terreno até ao fim. Faz perfeita pontaria entre as linhas metálicas que lhe ficam quase justas ao pequeno corpo, um trapezista. Imaginei-o a errar o alvo, bater com a cabeça nas linhas da vedação e ficar tonto, sei lá, deixar-se ir em queda livre até recuperar o norte, se pudesse. Mas ele não errou o alvo, não fica norte para recuperar, e isto o bem que me faz.

Isto e o ciclo da roupa, coisas que não conto a ninguém. Sinto a tua falta e por isso é que me saem estas linhas tortas que escrevo enquanto te ponho aqui a ouvir-me, se calhar estou a maçar-te, a roupa ainda não secou. Eu sei que me entendes, é o que me diz esse teu sorriso sábio, a roupa e o seu ciclo de lavagem é assunto sagrado porque me firma as raízes e de repente pertenço aqui para sempre, deixo cá histórias que um dia alguém quererá contar, o que achavas tu? Liberta-se este aroma ao sol, essência lavada que acena, cúmplice, ao chilrear dos pássaros e combina tão bem com o borbulhar da água que leva pressa para chegar ao vale, o curso mais grosso, claro, e por isso ouve-se daqui, acreditas?

Comecei por varrer as folhas secas que ficaram no terraço esquecidas pelo vento mas o verão parece que ainda não saiu. Ou és tu que estás mais perto?

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