25/12/2014

A noite de natal

- Consegue levar?

O saco onde ela tinha metido as couves que eu acabara de comprar para o bacalhau da consoada, estava crescido: começava no chão onde ela o pousara e terminava à altura das minhas mãos que já estão a sair dos bolsos.

- Este não tem pegas, mas não tenho outro deste tamanho, consegue? - a rapariga da mercearia do centro comercial duvidava das minhas capacidades de transporte de sacos de couves crescidos e sem pegas.

Agarrei-o como se fosses tu nos meus braços para comigo dançares uma valsa, o compasso terciário não é difícil nem com um monte de couves assim, fomos juntos, o saco a levar-me pelo corredor das lojas, que bem dançamos nós, ainda é um pedaço até à porta, vamos lá, e eis que o vejo sentado no banco, pouso o meu companheiro de valsa, a música espera um bocado.

O rapaz que passeia os cães está sozinho no banco de madeira junto à loja de fotografia, passa das sete da tarde e parece-me triste.

- Estás sozinho.

- Estou cansado - corrigiu, ao cumprimentar-me - hoje já passeei quinze, levantei-me às seis da manhã - diz-me num sorriso lento.

De cada vez que o encontro, o Renato faz-me o relatório do negócio que também vai crescido, quinze cães?!, quinze, sim, ele orgulhoso conta-me o seu dia e o grande saco das couves, que não são tantas mas parecem, vai ouvindo a conversa, espera que retomemos a valsa.

- E o teu natal, como vai ser? - a pergunta fugiu-me: o Renato não tem família, o negócio de passear cães salva-o sabe deus de quê e pinta-lhe sorrisos no rosto quando descreve os seus amigos de quatro patas.

- Talvez com o meu tio.

- Talvez? E se não for com o teu tio?

- Fico fechado no quarto - responde com um encolher de ombros que lhe assina a resignação.

E eu agora quero retomar a valsa contigo, levar este amontoado incrível de couves que sei serem demais, vão sobrar, sobram sempre, levá-las para o calor do lar, assistir ao outro amontoado, também incrível, de presentes que toda a família vai depositar junto ao pinheiro de natal, os jingle bells a tocar e rostos vermelhos, felizes, em toda a gente.


- Consegue levar?

As couves consigo. O que não consegui foi deixá-lo passar a noite de natal fechado no quarto.

Onde comem dezoito comeram dezanove. E a nossa noite de natal teve um sorriso novo.

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