Se não estivesse a pagar contas na internet de casaco
vestido, podia ir comprar um selo para te mandar a carta que não te escrevi à
mão.
Mas estou a pagar contas na internet de casaco vestido. Fui
apanhá-las dentro da caixa metálica encastrada na parede da entrada do prédio; abro a caixa com a chave mais pequena e com pouca vontade, porque já sei.
Lá dentro, com as
contas, todas em envelopes de janela com vista sobre o meu nome a encabeçar
esta morada, não estará a resposta à carta que não fiz para ti. Meto a mão,
retiro os envelopes e depois vejo, acamado neste leito frio e habitualmente escuro,
um cartão de tamanho esquisito anunciando, em letras azuis e vermelhas, experiência
em caixilharia de alumínio com orçamentos grátis. Subo as escadas enquanto o
leio e me pergunto quem fará o arranjo gráfico destes cartões caseiros que não
deito fora por serem assim. Já em casa, guardo-o na caixa de madeira junto dos que falam de serviços bons para as canalizações ou os que acalentam a esperança
camuflada de virem a reparar estores a preços baixos. Ora eu não sei a esta
data se noutra qualquer terei precisão de uma caixilharia de alumínio com
orçamento grátis, pois não? Então pronto (não te rias).
Depois é os envelopes com janela. Abro-os por trás com
cuidado, que o papel gosta de afinfar (afinfar?!) na pele dos meus dedos
cavando-lhe um caminho estreitíssimo, golpada para ficar a doer vários dias, se
bem que hoje não. De dentro, então, lhes retiro com dedos intactos as tripas dobradas
em três, aliso-as, sento-me a pagar as contas de enfiada, não compro selo
nenhum e foi aqui que começou.
Quando acabou, tirei o casaco. Ainda cheira ao teu abraço.
(foi por ter lido isto,
que este post germinou e se veio meter aqui)
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