Por vezes as coisas que leio trazem semente.
Principalmente na primavera, como agora, entram na terra que me habita,
aconchegam-se comigo no sono, germinam e dão nisto.
Saí do trabalho e não
precisei de meter a culpa na mala, ela já saltou lá para dentro, vamos para
casa juntas. Conhece-me de todas as formas, acompanha-me as variações em
crista, pontos altos de onde caí com vertigens e baixos dos quais subimos em
lágrimas.
Por isso decidi, antes de
ir para casa, passar no futuro à tua procura. A fintar o tempo para que não fuja, dobrei o espaço para saltar de frente, pesado,
tão pesado. No entanto, sei bem onde te encontrar.
Cheguei já a noite vestira
o dia de lua cheia de fogo. Não se vê ninguém na estrada que segue
deitada na margem do rio e começo a caminhar. Oiço um borbulhar que vem da
fina ondulação da superfície da água, brinca com a parede da margem, sussurra-me
palavras repetidas que não distingo, onde estás? Ao fundo, o contorno de um
banco de madeira virado ao rio.
Não estás. Está só esta pedra branca entre as ervas do chão. Baixo-me, apanho-a. A pedra é leve, muito leve, não é
pedra. Desembrulho-a e, à luz do luar púrpura, leio assim.
Dizes que alta a lua quê
- Que brilha tanto toda
Dizes, em cada lago e
assim
Não sabes de poesia outra
Mas te digo eu nada,
nem meia brilha, ela ri
não é de tu mas de eu sim
de tanto subir que depois caí
Dizes que alta a lua quê
- Digo que alta brilha sim
E eu que vermelha mas não de
ti
Eu que do sangue que sai de mim
Levantei os olhos do
papel cheio de vincos e olhei em frente. Sentada no banco de madeira está afinal
alguém. Tem a minha cara nas mãos. Alguém que curva os meus ombros, que usa o meu
cabelo em branco, alguém que me deixa a mim, daqui, ver o teu bilhete purgar-lhe
o coração. Mas só a parte que a culpa não comeu.
Acordei de um salto. Depois levantei-me e fui
escrever-te esta carta, antes que o tempo fuja e nunca me traga o teu perdão.
(sim, aquele pseudo-poema mal amanhado inspira-se em Ricardo Reis, talvez fosse de aproveitar e pedir perdão por isso também)
A culpa é uma sombra feia. Absolve-te!
ResponderEliminarFeia e peganhenta, querida Cuca.
EliminarQue nunca seja tarde!
ResponderEliminarBeijo, Susana. :)
Não é tarde ;-)
EliminarBeijinho, Maria.