Há quem diga que da saudade não se sofre mas eu nem pensar, ai sofre sofre. Da saudade e da vontade de escrever, que aperta ainda que mote não haja, haja o que houver.
Para me aquietar vou então buscar Satie. A música abre-se como uma flor oferecendo pólen, de onde se soltam, voando, pétalas de seda e eu fecho os olhos. As notas preenchem à vontade os cantos da cozinha, docemente, deixando-se depois derreter, libertando a tristeza que carregam, escorrendo tensões. Deixo-o roçar-me o cabelo, Satie, os movimentos também, sei que estás aí, são carícias tantas e depois quando os abro, os olhos, descubro que não tenho açúcar bastante para o bolo que entendi fazer à tarde. Pela janela distraio-me com as nuvens brancas; por entre a chuva vejo que fluidas preenchem o vale lá em baixo e depois abro os armários, as notas de Satie penetram os interstícios procurando a doçura que não tenho, gavetas também, não há. Beber café, ou chá, sem adoçar não pede visitas à caixa do açúcar que está quase vazia desde o último natal, desconfio. Encontro o pacote de passas na caixa das especiarias e tomo a decisão possível, passo-as para dentro da massa, adocem vocês o que eu não posso, continua a chover lá fora em cima das nuvens do vale e Satie cá dentro, de mim, borrifa-me a alma que não o corpo, tu e eu e já o calor do forno, afinal doçura temo-la nós e o bolo cresce, cresce.
Mesmo sem mote o post está quente, queima-me de saudade sofrida sim, que a vontade de escrever ainda não passou.
Susana, pode-se comer um post quente? Então vamos a isso!
ResponderEliminarsatie, sem ti, saudade, sodade, não é tudo a mesma coisa?
Beijos, Susana, belíssimo bolo.
Dizes muito bem, Teresa, Satie é saudade. Sodade também - e apercebo-me de que não oiço Cesária Évora há imenso tempo, obrigada por me lembrares. :-)
EliminarClaro que se pode comer o post quente, é uma questão de ter a alma quente quando se o come (e está? foi poética, foi?)
Beijos, Teresa, obrigada.
Aqui me tens um bocadinho adiantada a ontem, mas não quero perder o "antigo" chá das 5, contigo e com a Miss Smile (ela deve levar um chá muito bom) e eu adoro chá com leite das mumus:) Espero que não estejam a incomodar a vizinhança! E ah! ontem comi um post delicioso acabadinho de fazer, e hoje claro que quero mais uma fatia.
EliminarUm beijinho, querida Susana.
Às vezes os comentários que me cabem aqui no blogue são tão bons tão bons, que eu não sei como lhes responder.... glup... vou tentar:
EliminarAs Mumus estão a arrasar a vizinhança, que está encantada com semelhantes exemplares bovino-deslumbrantes. E quanto ao chá, a mesa está posta, é só chegar a Miss Smile e fazemos um banquete com as fatias que sobraram. Do post.
(ufa... terei conseguido?!)
Outro beijinho, querida Teresa.
É verdade, Susaninha, é a doçura que aquece e faz crescer as coisas.
ResponderEliminarPasso por aqui mais tarde, com um bule de cá quente, para provar o bolinho. Ah, e trago também um lencinho branco perfumado, pedindo tréguas pela tentativa de rapto das suas vaquinhas que espero que, da sua varanda, desfrutem da doçura do vale.
Um beijinho :)
* chá (embora, também, sempre cá, sempre presente)
EliminarMinha querida Miss Smile, o lencinho branco não é necessário, evidentemente. Adorei o roubo das vacas, na verdade. Encheu-me de risos, a mim, que sou pessoa sisuda como tudo (e elas estão ótimas de saúde, lindas, lindas).
EliminarOutro beijinho, bom domingo. :-)
Também gosto muito do Satie e ainda há poucos dias o ouvi.
ResponderEliminarFoi ao som da música dele que há três anos, no âmbito do programa de aniversário de uma biblioteca, li "Livros", um texto escrito para o efeito e que tu conheces.
Beijo e boa semana, Susana.
Se Satie fica bem em quase todo o contexto, nesse pequeno mundo chamado "Livros", dito por ti, deve ter-se sentido feliz. :-)
EliminarOutro beijo, Isabel, e uma boa semana para ti também.
Para o bolo precisaste de uma alternativa ao açúcar. No post feito de vontade de escrever não falta nada. Para nós ficou esta árdua tarefa de nos deliciarmos com ele.
ResponderEliminarAinda não foi desta, Susana, estão cá os ingredientes todos. Sim, quente e bom, quentinho, parece uma castanha assada, ou cozida com erva doce, e a doçura está no ponto.
Beijinhos e uma semana supimpa, apesar da chuva, apesar de tudo, "afinal doçura temo-la nós e o bolo cresce, cresce."
Cláudia, como agradecer as tuas tão generosas palavras?... muito obrigada, é o melhor que arranjo.
EliminarCurioso referires a castanha assada... uma mão cheia delas cozeu com o bolo na mesma fornada e eu até ia referir isso no post, mas depois não passou no crivo (faço um crivo, sempre). No entanto o aroma deve ter ficado e tu captaste-o, és mulher para isso.
Uma semana supimpa para ti também, Cláudia (a chuva não me estraga a semana, eu gosto de chuva). Beijinhos de volta.