08/12/2015

A professora de matemática

Lembro-me bem dela, chamava-se Helena e o nome assentava-lhe bem, pela elegância. Eu tinha onze anos e ela era alta, o seu cabelo bonito. Era a minha professora de matemática. Mandava-nos ao quadro fazer exercícios e falava com voz firme, quente e calma. Era mulher que me inspirava respeito e admiração, era muito bonita a professora Helena e eu queria ser como ela. Naquela altura eu tinha - tínhamos todas, era uma moda - um livrinho de autógrafos. No final de uma aula de matemática, pedi um autógrafo à professora. Ela escreveu que me desejava felicidades na minha vida académica e privada. Fui ver "académica" ao dicionário. A letra dela era alta e elegante, a condizer-lhe com o nome, Helena. Lembro-me que escreveu a azul. Um dia a professora de matemática faltou, um dia, dois, uma semana, ouvimos dizer que estava doente. Doente também eu tinha estado, e as minhas irmãs, o xarope ajudava e as atenções da nossa mãe também, por isso não me importava nada o estar doente, pensava que era normal estar doente. Continuei a correr no recreio com as minhas colegas, a jogar ao mata ou a saltar à corda, que era a minha especialidade. As meias de lã até ao joelho que tínhamos de usar - era um dos requisitos da farda - tinham a mania de escorregar até formarem um fole no tornozelo. Havia muitas meninas a puxar as meias para cima no recreio, uma meia, depois a outra.

Quando a professora de matemática voltou, aproveitei o final de uma aula, aproximei-me da secretária quando ela estava a escrever no livro dos sumários e perguntei-lhe que doença ela tinha tido. Olhou para mim e hesitou. É uma doença das senhoras, disse por fim. Doença das senhoras. Fiquei mais um segundo ou dois à espera de saber qual doença era essa das senhoras, mas ela baixou a cabeça e continuou a escrever. A professora Helena tinha duas filhas a estudar lá no colégio, eram mais velhas do que eu e por isso não me atrevi a perguntar-lhes de que doença das senhoras se tratava. Pouco tempo depois a professora Helena tornou a faltar e veio outra cujo nome não me lembro, nem se era alta ou como era. A professora Helena desta vez não voltou. Soubemos pouco depois que morrera da doença das senhoras. Fiquei muito triste e horrorizada por ela ser tão nova, pensava que só as velhinhas morriam, pensei que se a minha mãe morresse eu também morreria, que uma mãe não podia morrer, era proibido as mães morrerem e senti uma dor aflita e terrível pelas filhas dela, não sabia como se respirava se a mãe morresse, como se fazia para o coração bater. Não me atrevi a aproximar-me delas quando retomaram as aulas, limitei-me a observá-las discretamente no recreio. Mas notei, nestas observações, que elas continuavam a correr como dantes, que as meias também lhes escorregavam para os tornozelos, tal como as das meninas que, como eu, tinham mãe. E que elas também as puxavam para cima, uma meia, depois a outra. E foi precisamente isto que, ao fim de algum tempo, me sossegou.

12 comentários:

  1. Há pessoas no nosso percurso que, de tão bonitas que são, se tornam imortais aos nossos olhos. Eu, que não gostava de Matemática no 8º e 9ºs anos, lembro-me bem da Professora Cristina, que nos deixou há menos duma década, com uma doença de senhoras. E depois tudo continuou e continua...

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    1. É verdade, querida Homónima, a vida de facto continua, e estas pessoas que plantaram alguma coisa na nossa vida, continuam também, dentro de nós. Ao menos isso consola um pouco.

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  2. Que texto tão lindo Susana :)
    A minha professora primária também faleceu enquanto eu andava na terceira classe. Foi muito triste. Chorei muito. Fui ao funeral e tudo. Ainda hoje me lembro dela. E peço-lhe ajuda quando preciso e tenho a certeza que ela me ajuda. Era tão boa...
    Deste-me um ideia! Espero que não te importes se algum dia também eu escrever um post sobre a minha professora.
    Beijinhos**

    www.pensamentoseepalavras.blogspot.pt

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    1. Claro que não me importo, Hélder. Até fico satisfeita de te dar uma ideia sem querer. :-)
      Obrigada pelas tuas palavras.
      Beijinhos de volta.

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  3. a última vez que ouvi falar da minha professora de matemática do 10º ano (e 11º e 12º), foi precisamente com a notícia de que sofria de cancro... nada soube depois.
    devo-lhe muito. nunca julguei que fosse capaz de voltar a dominar a matemática, depois de a abandonar na rebeldia do 8º ano.
    não me recordo do nome, mas, ao contrario de quase todos os outros, se não todos, continuo a lembrar-me muito bem da sua cara. diziam que era má, fria, intransigente. foi a melhor professora que tive. maus foram as três professoras que tive no 7º ano, despejando matéria até ao toque da campainha. foi por causa deles, que os números me começaram a parecer insuportáveis, logo a mim, que sempre gostei deles e das suas soluções definitivas. na matemática, ao contrário do português, nunca havia segundas leituras nem dúbias interpretações. não é maravilhoso, algo assim?

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    1. Um professor pode de facto fazer uma diferença que não tem preço e da qual beneficiamos toda a vida. Tenho muito respeito por professores como essa tua de matemática, flor. São gente excepcional, tenho-me cruzado com alguns. É maravilhoso, pois é. Também gosto muito de matemática.

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  4. Pois é, querida Susana(permita-me que a trate assim), independente da dor, continuamos a saltar, a comer, a respirar. Primeiro com alguma dificuldade, depois e aos poucos com a naturalidade de sempre. Mas há pessoas que nos marcam. Tão bom que as há, não é? Até servem para belos posts.

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    1. E é também nesses "continuares" apesar da dor cá dentro que nos apercebemos da força que temos. Ou que podemos ter, se preciso for. Acho que quase qualquer coisa serve para posts, é só haver vontade de contar a estória ou história (eu prefiro história :-)) e dar o nosso melhor.
      Claro que sim, querida Ava! :-)

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  5. Eu não gostava mesmo nada da minha professora da primária. Era muito rígida e fria. No entanto, quando soube, anos mais tarde, que veio a morrer da "doença das senhoras", fiquei muito triste. Na altura, pensei que se soubesse que isso iria acontecer, ter-me-ia portado melhor. Acho que foi um dos meus primeiros impactos com a morte de uma pessoa próxima.

    Um beijinho, querida Susaninha

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    1. Pois eu não consigo imaginar-te a não te portares melhor que toda a gente.
      Mas de facto esse é um bom ponto, podemos arrepender-nos da falta de tolerância mas talvez não nos arrependamos do inverso.
      Outro beijinho, Miss Smile querida.

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  6. A minha professora primária, era a nossa "mãe" na escola. Nós também achávamos que ela era muito bonita e elegante, e era, e sorridente, e alegre. Um dia soubemos que ia casar e decidimos que cada um de nós, com a ajuda dos nossos pais, lhe ofereceria um presente de casamento, e assim foi, e vimos os olhos da nossa professora rasos de água. Passado um tempo, a nossa professora, continuava bonita e elegante, mas já não era sorridente, nem alegre, muito pelo contrário, andava triste e passou a perder a paciência muitas vezes nas aulas e a ralhar alto, e parecia outra pessoa, e nós acabámos por ouvir, sem querer, conversas de adultos, e foi então que eu fui para casa perguntar: "mãe, o que é violência doméstica?". Esta também é uma história verídica, não é sobre a tal "doença das senhoras", mas...
    Ps:(soube, anos depois, que se libertou do que tinha de se libertar e tinha voltado a gostar de estar viva)

    Beijinhos, bonita e elegante, Susana :-)

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    1. Ah, Cláudia, os teus comentários são histórias, esta é mais uma e com final feliz! "Gostar de estar viva" é o mínimo que qualquer pessoa merece.
      Beijinhos, Cláudia, obrigada pela tua presença sempre luminosa. :-)

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