08/01/2016

Valentes ziguezagues voados

O sol não me andava a nascer desde o início do ano e daí eu, sem poder melhor, vesti-me há dias para uma festa, mas fui trabalhar (segunda feira). De tal maneira estava diferente, que várias pessoas me perguntaram por que estava eu diferente. Dei-lhes uma razão bonita, a mesma que dei a mim, em vez de dizer a verdade. A dona Esmeralda, quando me viu, rasgou-me um elogio muito grande e depois falou de como se vestia quando era nova, que era mais ou menos como eu, ao que parece, forneceu detalhes, deu exemplos, trouxe-os para ali vestidos do tempo dela. A acompanhar, utilizou a gigante colher de servir o arroz para com ela desenhar círculos inteiros e outros meios, no ar, ilustrando vigorosamente que a gente, filha, depois casa e deixa-se ir, está a ver, encolhendo os ombros sem largar o talher industrial. 

- Dê lá uma voltinha...

Mas eu a voltinha não dei, antes me desviei para como foi o seu natal, dona Esmeralda?, ai filha foi bom, passou-se tudo bem, mas eu estava era já deserta de vir trabalhar, e a colherona é que agora deu a voltinha, no ar, para me dimensionar quão deserta estava a dona Esmeralda de vir trabalhar. 

- Olhe, acordei às cinco horas, filha. Fiz o meu chá, tomei o meu duche enquanto o chá arrefecia, está a ver. 

Estou a ver o colherão a voltear, agora mais devagar, isso estou a ver.

- Às seis e meia já estava no autocarro. Sabe, eu preciso disto, desta agitação - soltam-se, não aguentam mais, alguns grãos de arroz da colherzorra que, na agitação, faz uns valentes ziguezagues voados mas eu agora não me desvio.

Porque preciso de gente assim, preciso. Gente que faz de uma vida a levantar-se às cinco da manhã, a atravessar o rio todos os dias, a chegar ao trabalho várias horas depois e a fazer tudo outra vez ao fim da tarde, gente que faz de uma vida assim um conto que se quer ouvir contar.

E cantar. Mais tarde, quando passei no corredor, ouvi-a. A dona Esmeralda cantava.

12 comentários:

  1. E a menina pode contar como era esse stilling ou, quiçá, mostrar foto sacada com o tal télélé xpto?
    E como vai a Dona esmeralda de leituras?

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    1. A dona Esmeralda de leituras não conta nada e eu por enquanto não pergunto.
      Quanto ao stilling, hum... very simple. Mas o telele não apanhou. :-)

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  2. Querida Susana, eu costumo dizer que as pessoas distinguem-se não pelo que fazem, mas pela forma como o fazem. Há pessoas que fazem muito, mas, pela sua amargura e postura queixosa, fazem os outros sentirem-se mal, infundindo-lhes a sensação que, de alguma forma, são responsáveis pelos seus problemas. E, depois, há outras, que se dão inteiras e põem dedicação e serviço em tudo o que fazem. Também têm os seus dias menos bons. Mas aceitam-nos com leveza, como contratempos inerentes à vida. Todos os trabalhos têm valor. Todos os trabalhos são dignos. Mas nem todas as pessoas são dignas deles.

    Um beijinho assobiado :)

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    1. Sábia Miss Smile, nem mais. Um beijinho feliz e um fim de semana também. :-)

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  3. Trabalho com "donas esmeraldas " há anos, e sabendo-me uma felizarda, acho que nunca lhes falei nisso. É uma grande falha.

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    1. Olá Mia, bem-vinda!
      Não será sequer uma falha, mas de toda a maneira fácil de colmatar. :-)

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  4. Admiro a coragem das donas Esmeraldas todas do mundo,mas estava a ver que ainda te sujava a vestimenta, com tantas voltinhas que deu à colher de servir o arroz. Que espero não seja de pau, senão um dia destes a dona Esmeralda ainda em a ASAE aí à perna... :)

    Beijocas

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    1. A colher é de metal e não me sujou nada, que eu visse.
      Também admiro muito esta dona Esmeralda, tanto, que é das pessoas que mais me inspira para escrever. :-)
      Beijinho, Teté.

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  5. Tão bonita, a tua D. Esmeralda! Também conheço umas quantas jóias dessas. :D

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    1. Obrigada, MC (agradeço por ela, se lhe dissesses que é bonita ela abanava a cabeça e dizia que não é bonita, mas é, só que não sabe). :-)
      Estas pessoas fazem muito mais pelo mundo do que pensam (estou certa).

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  6. Comprova-se aquele ditado: "Quem corre por gosto não cansa." :-). Ainda bem para a dona Esmeralda que, para além de correr por necessidade, tem a sorte de ter tomado gosto pela corrida. Assim consegue ser mais feliz. Depois dessa declaração, "... eu estava era já deserta de vir trabalhar" fico mesmo convencida de que a dona Esmeralda, pelo menos naquele momento, cantava de contente e não para espantar nenhum mal.
    E agora lembrei-me de uma outra coisa, Susana, que pode até ser polémica, lembrei-me que, talvez não gostar muito de ler, por exemplo, acabe por proteger a dona Esmeralda permitindo-lhe estar de bem com o facto de ter a vida praticamente toda ocupada com o trabalho e com as respetivas idas e vindas. Acho que até a ocupação dos tempos livres, e mesmo o prazer de nada fazer, é coisa que se aprende, e pode até ser considerada, tendo em conta a vida de tantas "donas Esmeraldas", um luxo. Acho que até para tirar prazer dos tempos livres é preciso recursos, e não só materiais, como também intelectuais, e não só intelectuais como também emocionais, daí ficar tanta gente sem saber o que fazer à vida quando tem mais tempo livre, e isso também pode ser um problema, e tornar as pessoas infelizes. E há tanta coisa, tanta coisa que nos pode pôr a cantar sem ser para nenhum mal espantar, eu tenho pena que, por um motivo ou por outro, nem todos saibam disto. Entendes-me, não entendes, Susana?
    Beijinhos, minha querida Susana. :-)

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    1. Sim, a dona Esmeralda canta de contente e canta bem, às vezes fico um bocadinho a ouvi-la, sem ela dar conta.
      E sim, pois claro que te entendo, querida Cláudia. E digo-te ainda que, além de seres inteligente e perspicaz, és uma boa psicóloga!
      Beijinhos de volta (é um prazer ler-te, Cláudia).

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