Por um lado, procurei na internet um restaurante numa zona de
Lisboa que vibra de um modo ressonante comigo. Encontrei, telefonei e marquei
mesa para jantar no dia seguinte. Informei depois as restantes comensais sobre as possibilidades de
estacionamento na área que, não sendo perfeitas, não requerem mais de dez minutos
a pé e neste escorvar de primavera o que é isso senão um momento de vibração
citadina e prazerosa.
Por outro lado, o botão de cima do meu casaco cinzento está
a ameaçar cair vai para semanas, e eu aguardo que ele caia à sua vontade; quero
saber onde e quando vai ele escolher o momento e só nessa altura darei seguimento ao processo que urge, pregar o botão de volta ao sítio dele se
conseguir, se não fica um nadinha ao lado, como de costume.
Depois de ter enviado o email às minhas amigas com os detalhes para o jantar, visto o
casaco e saio de casa para ir comprar fruta e legumes frescos. No caminho
cruzo-me com a vizinha do segundo, que vem do cabeleireiro e está bonita. Quem
sabe já terá recuperado, pelo menos talvez em parte, da morte do marido.
- Que bonita está a minha vizinha!
Ela devolve-me um elogio por cortesia, que não me serve, e ao mesmo tempo lança a mão ao meu botão pendurado.
Pega na farripa de linha que sobra, caída, e enrola-a com vigor em torno do chamado pé, no local entalado entre o botão e a fazenda, prevenindo-me para a queda
iminente e consequente perda daquele, que depois
não consegue arranjar igual e é o cabo dos trabalhos, tem de mudar os botões
todos ao casaco.
- Bem sei, bem sei... muito obrigada – e continuamos ambas os nossos
caminhos, a queda do botão assim adiada, a vizinha é prudente e estará certa,
mas eu escolho observar o aumento de entropia dos fenómenos inofensivos sem
os interromper, é tão mais divertido assim.
No dia seguinte, depois de estacionar num dos locais recomendados
às minhas companheiras de jantar, subo a avenida inspirando a primavera anoitecida,
ali nascida em florinhas brancas numa árvore pregada à calçada lisboeta e sou a primeira a chegar ao restaurante.
Sento-me na zona do bar onde aguardo apenas alguns minutos. Quando as minhas
amigas surgem, entrando juntas de encontro casual lá fora, eu levanto-me,
distribuo beijos e abraços e o botão cai no chão.
E quantos abraços cabem na casa do coração, querida Susana?
ResponderEliminarEu acho que o botão só caiu depois de ter costurado momentos redondos e bonitos com aquela linha invisível que cose alentos.
Um abraço, daqueles que se pregam ao coração :)
Todos (resposta à pergunta).
EliminarUm abraço desses de pregar apertado, querida Miss Smile. E bom carnaval.
:-)
Foi por uma boa causa, o despencar do botão. Abraços valem isso é muito mais!
ResponderEliminarAbraço, então, Susana :)
Corrector malvado que põe acento no e! :)
EliminarPois foi. Afinal talvez seja mesmo boa ideia esperar que a fruta amadureça. (neste caso o botão, claro)
EliminarOutro abraço, Maria :-)
Alguns botões são assim, caem redondos perante o efusivo, desmaiam da demasia.
ResponderEliminarEu até desconfio que os objetos vivem connosco o fio condutor que gere as leis do universo.
Eliminar(mas talvez seja devido ao processo de costura das máquinas nas fábricas dos casacos ser um bocado duvidoso, é o terceiro botão que me cai deste)
ah, ah, ah...lá se vai a minha teoria da moleza botoeira a desfalecer ternuras perante amplexos e afectividades. Afinal é de ordem maquinal; mas o momento foi oportuno, isso, é claro e evidente.
EliminarNão, bea, a sua teoria, vendo bem, é válida para todos os botões bem ou mal pregados, sendo que os "mal" caem mais depressa e revelam também mais depressa que foram vítimas do "efusivo, desmaiam da demasia". :-)
EliminarTão certeira, a tua vizinha, no gesto e no aviso, tanto a linha prende por umas horas e retarda a queda, como é mesmo um cabo dos trabalhos encontrar igual. Ando há semanas com um botão do meu casaco - que também é cinzento - dentro do bolso, como é um daqueles do meio, o cachecol tapa a falta. ;)
ResponderEliminarE isso é que foram abraços, hã?
Bom fim de semana
Certeira, sim...
EliminarSe bem que eu nunca tive isso de ter de mudar os botões todos a nenhum casaco. Ah, não! Mudei uma vez porque não gostava deles. :-)
(então são dois botões dentro de bolsos cinzentos, um aí e outro aqui)
Um abraço também para ti, Gina.
todas as pequenas preocupações caem quando estamos em boa companhia.
ResponderEliminarQuerida Tétisq, essa é uma grande e bela verdade.
Eliminareste texto anda-me aqui a deixar tal como um botão pendurado por fio periclitante: tanto estou quase a prender-me ao que hei-de dizer, como me fogem as palavras...calhando para dentro de algum bolso.
ResponderEliminarbeijinhos e boa semana, Susana.
Ó Mia, as palavras deixam-se mas é apanhar muito bem por ti. Ai deixam deixam.
Eliminar:-)
Boa semana e um beijinho para ti também.