O avião aterrou no aeroporto de Eindhoven, travou, rolou
ainda pela pista fora até quase parar e depois sair normalmente para as vias
secundárias que servem de ligação ao estacionamento. Uma senhora entradota na
idade abriu o cinto mal pousámos no chão e já está de pé a tentar equilibrar-se
por forma a conseguir quem sabe esticar o braço e quem sabe abrir a bagageira e
quem sabe tirar a mala, mas o chefe de cabine agarrou no microfone e está a
mandá-la sentar! sentar! sentar!, que só depois de pararmos é que se pode! A
senhora não mostra ter captado a mensagem, continua de pé a procurar equilíbrio
e o chefe de cabine retoma a ordem agora em tom mais alto Hello! Hello!, tudo
isto acontecendo bem rápido (a escrever é lento). Como a senhora está a uma
distância de braço e meio de mim, estico-me toda de dentro do meu cinto e agarro-lhe
o casaco castanho de pelo macio dizendo em português a senhora tem de se sentar,
dando até um puxãozinho para baixo ao casaco no sentido de ilustrar a minha mensagem,
não fosse ela não entender português apesar de parecer. Aí entendeu e, deixando-se
cair no assento com um ai, terá devolvido
a paz ao chefe de cabine; o avião a rolar ainda por ali afora.
Vários dias depois, no voo de regresso a Lisboa lá estava a
mesma senhora a embarcar com o seu casaco pelo braço, o mesmo pelo macio que eu
puxara umas linhas acima para baixo, a
senhora tem de se sentar e isto é uma senhora coincidência, ai é. De novo ficámos
sentadas à distância de braço e meio, de modo que optei por tomar atenção
aquando da aterragem, para verificar da eventual necessidade de me esticar de
novo para ela, o resto seguirá como já sabemos. Porém não, desta vez manteve-se
sentada, cumpridora até à imobilização do aparelho, tudo certo.
Sobre esta ocorrência, entretanto, passaram muitos dias e eu
estava para esquecer completamente esta senhora. Contudo, caminhava hoje de tarde em
passo apressado rumando à estação dos correios para ir levantar mais uma carta
da autoridade tributária, mais uma, a ver se é desta que sossego na minha vida
de contribuinte, etc, e cruzo-me com uma senhora entradota na idade. Isto é cara
conhecida, penso eu, mas quem é, quem é, é conhecida mas parece que falta qualquer coisa nesta
senhora, virá dos correios, do café ou da farmácia, e é então que se está mesmo
a ver que me vai cair a ficha: o casaco! O casaco que trazia hoje é outro.