30/12/2017

Um post do tipo leve três pague um (mas sem coiso*)

Agora estou sentada praticamente dentro da lareira, frio não tenho mas é os pés – molhei-os na relva do jardim, relva quer dizer, não é bem relva, é uma espécie de erva que nasce e cresce selvagem com nanoflorzinhas amarelas dispersas e ainda a estas horas para lá das cinco da tarde conserva o orvalho da manhã. Uma poesia, portanto, e porque fui visitar a laranjeira que, vista do terraço, estava a exibir uma laranja no meio da folhagem. A laranjeira, agora vista de perto, é mais baixinha do que eu e dando-lhe uma volta completa não tem uma, não tem duas, mas sim três! laranjas. Têm o tamanho - vá - de morangos de grande calibre, mas são laranjas, daí a cor delas, e são as primeiras! da arvorezinha. Só que molhei os sapatos e meias.

Ontem fiz uma coisa muito interessante que foi deixar o meu computador dentro do avião, tipo esquecido. Só dei por isso uns vinte minutos depois de estar em Lisboa e por muita sorte ainda no aeroporto, de modo que me lancei em corrida estafante para dentro do guichet de lost & found, onde tive de aguardar que a senhora terminasse a chamada com alguém aflito como eu mas a falar algures da Escandinávia, esse alguém tinha optado antes por deixar o telemóvel no avião e eu foi o computador, raios raios. Torci muito as mãos e respirei fundo umas quinhentas vezes (mais ou menos hiperventilei) para conseguir esperar em modo calmo, a pensar que o avião podia muito bem tornar a descolar sabe-se lá para onde e o meu computador ai jesus que o último back-up foi há imenso tempo. Certo, sei, devia bater com a cabeça na parede sobre isto, mas agora a senhora desligou a chamada com a Escandinávia e olhou para mim sorrindo, boa tarde: boa tarde é como quem diz até certo ponto e depois então disse-lhe tudo. Em que lugar estava sentada, lembra-se? Lugar 9A se faz favor. Ela pegou no walkie-talkie e chamou o colega que estava a fazer o meu avião.

Hoje pela manhã encetei um novo estojo de lentes de contacto, a esquerda é sempre a primeira por uma questão de eu ser destra. A direita, ao pô-la, tive umas náuseas de ver tudo tão mal, tão mal, completamente torcido em meu redor, que nem a parede se safou. Penso que estou a ficar maluquinha e retiro a lente de contacto potente do olho direito. Torno a pô-la, a ver que tal. E a ver tudo torcido tornei, parede incluída, uma coisa do tipo Dalí e as náuseas, olá. ‘Tamos mal (não sei se é a idade).

Mas não muito muito porque 1) a lente do olho direito eram afinal duas encaixadas na concavidade uma da outra, oferta de fábrica ou então promoção de natal leve duas pague uma como este post mas este é três, 2) as meias e os sapatos entretanto secaram e 3) o computador tornou à minha mão duas horas e meia depois da cena com o walkie-talkie. Foi cá uma sorte e hoje claro que já fiz dois back-ups.


*Tive uma colega que terminava as frases quase todas coiso, era tão giro. 

21/12/2017

Todos ao léu

Este ano o natal chegou demasiado cedo. Por mim estaria a terminar maio, saindo com vagar o mês das flores, como se ainda pudéssemos evitar um verão desgraçado. É que não estou pronta. Do lado de fora da minha casa, quem olhar vê a silhueta luminosa da árvore de natal que arranquei aos braços em prestações curtas. Nunca antes tinha trabalhado tanto, tantas horas, tantos domingos e sábados, praticamente todos, noites e noites adentro. A publicação menos frequente de posts neste blogue em dois mil e dezassete vem daí. Mas então pode ver quem olhar da rua a luminosa árvore de natal cuja gambiarra de luzes veio da arrecadação a incluir, quando olhei bem, felizmente olhei bem, os fios de cobre junto à ficha que fica na extremidade todos ao léu, desordenadamente surgindo de dentro do isolamento em verde-árvore-de-natal e verde-árvore-de-natal porquê, por causa de camuflar na folhagem de plástico ou polímero especial, isso já não sei. Em vez de comprar uma gambiarra nova fui à loja exígua que também tem tudo o que a gente quiser desde chapas de matrícula até ao mais pequeno dos parafusos não faltando fichas elétricas mas não é chinesa, é portuguesa, onde foi a gambiarra reparada com sabedoria, destreza e substituição de peças. Exclamei inclinada sobre o balcão, mas isso da ficha fazia eu, e eles, não custa nada fica já feito, da minha parte foi só então lá deixar um euro e meio, depois da parte da árvore foi deixar-se iluminar à janela e da parte da janela, quando vista da rua, já disse.

Mesmo assim, o natal ainda não me bateu – e é capaz de não bater. Propriamente.

17/12/2017

Se o mau gosto fosse música

Há uma rotunda debaixo praticamente da ponte vasco da gama que está iluminada de natal por partes: está e não está, está e não está, está e não está. Ou seja, piscando a uma frequência aflita, e mais: o tom das luzes naquele branco de câmara frigorífica onde se pendura o gado já morto (imagine-se). Fez-me também lembrar por que deixei de ir a discotecas – a música do tipo obras na variante tábuas a bater-nos na cabeça muitas vezes e também no corpo todo, por dentro. Mas em luz.

(o bom, porém, foi ter conseguido - até que enfim - escrever poucochinho)

15/12/2017

Mas há orquídeas

Continua em força o papagaio, vigoroso, não morreu (ainda é novo). Hoje conversou toda a manhã sobre aquela situação lá dele que incide invariavelmente no mesmo, tchalp tchalp teren tchalp, como eu já tinha dito. Não sei ao certo quanto tempo dura um papagaio normal, do tipo muito falador e todo ele no espetro do verde (Teresa?), e admiro-me completamente de ter criado este sentimento tolinho por aquele que me azucrina tanto o juízo, como dizia alguém na minha infância. Apesar de já me ter apetecido, evidentemente (muitas vezes), lá ir arrancar-lhe uma pena a ver se ele se calava um pedaço ou mudava de assunto. Mas não fui, acobardo-me em casa a ouvi-lo. Na verdade, fosse eu mais de ficar vivendo no mesmo sítio em vez de andar a saltar de lado em lado, seria pessoa para fazer um papagaio feliz qualquer que fosse a sua cor, e tomava um todinho para mim. Além disso, custam uns mil euros os papagaios, e essa parte é que sinceramente, mil euros. De modo que é o seguinte: contento-me com duas belas orquídeas, uma toda em branco, única sobrevivente do pulgão da mesma cor, um pulgão com pelos bastante esquisito (e gordo, e gordo), outra em bordeaux com pintas, muito linda, ofertada o mês passado pelos meus ex-colegas e as orquídeas não se compara, quer dizer, são muito mais caladinhas.

(para não escrever sobre as saudades, muitas muitas, muitas e muitas da minha filha que está lá a fazer o Erasmus, saiu isto) 

13/12/2017

A grande palmada

- Esta tua mania dos voos low cost dá nisto, tu e as tuas manias!!!
Devido à neve que caiu nos últimos dois dias em vários países da Europa, muitos voos foram cancelados ou atrasados. Aquele em que eu me inscrevi para regressar a Lisboa entra no segundo grupo, foi sorte. Mas estamos agora na porta de embarque e eu enfim consegui sentar-me com o objetivo de puxar do computador e continuar o trabalho que quer ser entregue amanhã e vai mesmo ser entregue amanhã nem que a vaca tussa (por exemplo, por causa da neve). À minha frente senta-se uma rapariga que deve andar pela casa dos vinte com cara de portuguesa. A seu lado a cadeira está ocupada com uma amálgama que denota o cansaço da espera e que parece conter casacos enlaçados em outros géneros de bagagens menores, marcando o lugar de alguém que demora a chegar. Eu vou andando no meu trabalho. O lugar do nosso avião lá fora na placa ainda está vazio, de modo que a espera alonga-se mais um bocado e eu aproveito. Quando chega, não o avião mas o ocupante da cadeira da amálgama, faz-se anunciar largando uns palavrões e gestos bastante capazes de informar com clareza sobre o seu estado de espírito. A rapariga corrobora com a intenção dele de se sentar, e faz espaço na cadeira amanhando com os braços toda a trouxa. Amanhando é uma forma de dizer. Ele, porém, não é bem sentar-se, é mais atirar-se (o meu trabalho ficou esperando neste ponto que eu visse tudo até ao fim e até é possível que de boca aberta), é mais atirar-se, dizíamos, e depois escorregar pela cadeira abaixo para encostar a cabeça na espalda da própria, gesto durante o qual pragueja com a rapariga portuguesa como já se leu acima, sendo portanto ele português também e retomamos.
- Esta tua mania dos voos low cost dá nisto, tu e as tuas manias!!!
A rapariga encolhe os ombros, estala a língua e olha para o outro lado.
- Pá! ‘Tou aqui há 3 horas à espera do teu voo low cost!!! como é que queres que eu me sinta?!
Notemos aqui por favor que está ele e estamos todos. E notemos ainda que de acordo com este indivíduo o mau tempo apenas afeta os voos low cost, aos outros voos não se sabe o que faz.
Ela pega no telemóvel como que para se desligar dele concentrando-se no pequeno visor, mas este indivíduo não está feliz ainda e arranca-lho da mão com um gesto condizente com os impropérios e outras desinteligências já expostas, ri-se agora muito e ela grita dá cá isso! Os detalhes que aqui se expõem não é tanto de eu ser uma linguaruda, é mais de ainda estar de boca aberta a olhar, portanto prossigamos: ele afasta o dispositivo da sua dona esticando o braço para o lado da família seguinte que não levou um tabefe por centímetros e que parece tão admirada com este conteúdo de caráter como eu, mas eis que a nossa rapariga vai e zás!, desfere uma sonora palmada na perna do indivíduo, isto a acompanhar novo dá cá isso!, agora mais alto, a palmada levando tal força que até parece que a mim doeu. E doeu. Mas nem foi a palmada.