26/04/2019

Ainda a esperança na liberdade e a própria e as voltas que a vida dá (grande título)


Na primeira noite depois de ter saído de casa com as minhas filhas bem pequenas e ido viver com elas para um também pequeno apartamento no alto de um prédio, ouvi a maior discussão a que alguma vez assisti. Eu sentia-me extremamente feliz, é preciso notar. Do outro lado da parede onde estava a minha cama encostada, essa nova parede, alugada, eles discutiam com ameaças de morte, eu vou e mato-te, eu também, eu com uma faca, eu com duas. A minha felicidade egoísta, recém-conquistada, não estava sendo perturbada, mas fiquei alerta. Ouvia coisas a cair, os gritos de conteúdo já referido de ambas as partes, dela e dele. Era evidente que não havia um vítima e outro agressor, eram ambos vítimas. Quando o estrondo quase abanou a parede comum – uma cadeira talvez, atirada com força – eu preparei-me para chamar a polícia, fazer alguma coisa. Mas não fiz. O barulho cessou logo a seguir e eu depressa adormeci.
Hoje, passadas quase duas décadas, num prédio erguido alguns quilómetros mais a norte, ouvi a segunda maior discussão. Aliás, ainda estou a ouvir. Segunda porque ainda não voaram cadeiras, nem coisas caíram (para além de lágrimas, isso sim).

(é que lembrei-me, ver título - que vê-se bem)

Notícia de última hora: já se ouve rir e até cantar. O cão ladrar. Melhor, quer isto dizer.

6 comentários:

  1. (Quero muito que fiques a saber, embora tenha ficado aqui um tempo, feita parva, sem dizer-te :-). Sinto uma profunda admiração por isto: "Na primeira noite depois de ter saído de casa com as minhas filhas bem pequenas...".
    A liberdade, toda a gente sabe, também tem um preço, e, muitas vezes, precisa de muita, muita coragem. Talvez seja muito duro o que vou dizer, ou, talvez mesmo, muito injusto, mas, muitas vezes, o oposto de liberdade, parece-me ser cobardia. Tenho sido, ao longo da vida, fiel depositária de alguns segredos, considero um privilégio escolherem-me para, e, muitas vezes, ser amiga é apenas escutar, é, sem dúvida nenhuma, não julgar, e não julgo, nunca julgo, cada um sabe de si, mas, depois, a minha liberdade de chegar a conclusões, que podem ser precipitadas, também acontece. A cobardia abrange vários medos, a insegurança é um deles. Mas, depois, lá está, optar pela segurança, também é, muitas vezes, uma escolha livre...Mas, pronto, o que quero reforçar, o que queria mesmo muito que ficasses a saber, é que sinto uma profunda admiração por...E, caso penses que é melhor assim, por favor, exerce a tua liberdade de deixar isto sem resposta)

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    1. Minha querida Cláudia, muito obrigada por este comentário.

      Teria sido preciso ainda mais coragem para tomar o outro caminho.

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  2. É crime público, mesmo que se passe entre quatro paredes.
    ~CC~

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    1. Sim. Crime e uma grande tristeza.
      Bom feriado, querida CC.

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