Olhar pela janela até ao fim das árvores em movimento, sopesar a nuvem que as encima preta com os olhos (preta posso dizer), espiar a abordagem de alguma águia concentrada, invocar a minha primeira bolacha oreo ou reler a música de palavras que componho no trabalho. E o chapéu de chuva desocupado da sua função, fechado desde abril dentro de uma das quatro malas que viajam comigo. Mas por mim nem precisava.
(e também posso desarrumar palavras, posso posso)
É um facto, sequer tem qualquer intenção de elogio, este facto. Já te disse antes, às vezes, a tua prosa embala-me e eu penso nessa situação com a qual nem sempre tens uma relação fácil, já nos contaste, que é a poesia. E é talvez precisamente por essa sensação de ler como quem está a ouvir música que, às vezes, tal como aconteceu agora, remetes-me para a ideia que tenho de poesia, se bem que, aqui, até quiseste incluir a música na escrita prática do trabalho :-) Depois, afinal os pensamentos também são assim como as cerejas, pensei ser uma muito boa forma de definir poesia, também posso reforçar o exemplo com o presente que tens aqui na lateral, a poesia pode mesmo muito bem ser a arte de saber desarrumar palavras, quanto mais bem desarrumadas melhor, saber usar palavras a despentear uma ideia sem se afastar do essencial dessa mesma ideia. Então, depois, fui conduzida ao que agora aqui te deixo (culpa todinha tua e deste teu post, mas, ainda assim, desculpa se não gostares ;-)), não resisto, olha, Manoel de Barros:
ResponderEliminarOs deslimites da palavra
Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas
E boa noite e continuação de boa semana, Susana, claro :-)
Cláudia! Muito obrigada por este duplo presente, o teu comentário e o poema de Manoel de Barros! Mas eu adorei todos os poemas dele que já li, incluindo este, que ainda não conhecia! Com este tipo de poesia não tenho problemas nenhuns! Qual tipo, podemos perguntar. Não sei, é a poesia que se intromete nos meus neurónios e não me faz bocejar como alguns autores mais convencionais fazem. Nasci estragada para essa poesia mas não para esta, como a de Manoel de Barros.
EliminarQue bom continuares a vir aqui, Cláudia :-)