20/03/2023

Red Band

Comprei na loja do aeroporto, onde se vende livros muito conhecidos, revistas embrulhadas em plástico e porcarias caríssimas, um tubo de pastilhas Red Band, mas as mesmas são castanhinhas. Nunca tinha comprado um tubo de pastilhas Red Band, as quais são very delicious e ainda, acabo de descobrir, boas para a tosse (mas eu não tenho tosse). É o seguinte: quando, há uns tempos, uma senhora no lugar ao meu lado no avião me ofereceu uma pastilha Red Band durante a aproximação à pista, aterrou em mim esta vontadezinha (de um tubo inteiro). De modo que agora já está. Next!

19/03/2023

O animado cãozinho

Esta noite foi a pior desde que há registo pela equipa de monitorização relógio & telefone, ambos espertos. Mas estou de acordo. Estive para adormecer até às três e meia, hora em que olhei para os números luminosos pela última vez antes de ser finalmente capaz de abandonar o estado de vigília. Por isso, de manhã, o arranque foi por partes. Por exemplo, pus-me a andar ou, por outras palavras, fui caminhar. E, como ainda não havia introduzido as planeadas alterações no percurso habitual para fugir às manifestações de intenção de ataque do cão velho, preto, grande e rabugento, avancei por ali fora, continuei em frente! Sim, passei o local onde ultimamente, ao avistar a fera, volto para trás obediente à vontade do bicho e entretanto também à minha porque não me apetece imenso ter a pele rasgada por dentes caninos, nem sequer as calças. Mas como dizia, hoje segui em frente. Não por ter tido um ataque de grande valentia, mas porque o animado cãozinho não estava lá.

16/03/2023

Uitschudden*

Passava meia hora da uma da tarde quando Joop, o vizinho do outro lado da rua, veio cá fora sacudir a toalha de mesa. Tinham acabado de almoçar. A sua mulher, Mattie, já não consegue andar como antes. Tem até uma bicicleta com três rodas. Ou seja, uma tricicleta. Já têm ambos quase noventa anos. Ele continua a arrumar os caixotes do lixo de toda a vizinhança depois de passar o camião que lhes dá a volta com umas pinças mecânicas, enormes, para os esvaziar. Já devo ter contado isto várias vezes, o processo fascina-me um bocado. Adoro ver os vizinhos a tratar do jardim ou a sacudir as migalhas do almoço. Vejo tudo da minha janela do primeiro andar, onde estou em teletrabalho da Holanda para Portugal. Mas no meu computador português passava meia hora do meio dia.

*Sacudir em neerlandês, acabei de aprender

14/03/2023

Quatro galinhas

Hoje caminhei com o chapéu de chuva ora aberto, ora fechado. Fiquei com a mão direita gelada. As luvas tinham ficado em casa.
De vez em quando, sentia um pingo mais grosso e pesado bater-me no ombro. Dizia-me, tu aí. Como se fosse a chuva a caminhar comigo, uma chuva metidinha, fria, ainda cheia de inverno.
Já no último quilómetro, ao passar junto à casa que tem quatro galinhas castanhas no relvado, ouvi, no podcast da Raquel Marinho, a sua convidada contar como salvou da morte a cadela que adotou. Fez-me chorar por dentro do peito.

A minha vida é muito boa, gosto tanto dela. 

13/03/2023

Alterações de percurso

O percurso da caminhada holandesa que faço para cumprir os cinco quilómetros que deviam ser diários, mas não são, inclui uma rua que tem uma só casa. A casa não tem vedação. A demarcar o terreno há relva, num lado, e, no outro, canteiros nus que aguardam a primavera. A rua não está alcatroada, por isso, quando chove, os sulcos profundos que os veículos agrícolas fazem ao circular por ali, enchem-se de lama. Mas não é a lama que ultimamente me faz voltar para trás e encurtar os cinco quilómetros bem medidos. É o cão velho, grande, preto que guarda a casa sem vedação. Dantes, o cão ficava deitado a rosnar baixinho sem se mexer. Mas agora, quando me vê aproximar na estrada, levanta-se do seu poiso de vigia e vem largado a correr, ladrar e rosnar, rouco, na minha direção. O cão está sempre solto e possivelmente é inofensivo, mas eu não consigo passar, tenho medo.
O percurso da minha caminhada holandesa vai portanto sofrer alterações.

12/03/2023

Olá Chat(inho)

Desconfio que a enormidade de visitas que este blogue tem tido ultimamente já não são mero lixo convencional de cliques atirados para ali ao acaso por motores potentes mas sem rumo nenhum de jeito, mas sim – atenção! - o famosíssimo ChatGPT (um qualquer da família serve) que anda a vir aqui frequentemente petiscar assuntos vários para construir as suas rápidas e artificialmente inteligentes respostas. Caso contrário, como explicar tanta visita maluca por dia num singelo e meio-abandonado blogue?

06/03/2023

No comboio

Toda a gente que vejo do meu lugar viaja mergulhada nos respetivos telemóveis, evidentemente. De súbito, o homem asiático à minha frente levanta a cabeça e olha para um ponto no vazio. Parece pensar. Imagino-o informático. Ou talvez engenheiro mecânico, ou engenheiro de sistemas. Sistemas diversos, um pouco misteriosos, mas sistemas. Não o vejo enfermeiro, psicólogo ou advogado. Faço o resto da viagem enumerando mentalmente profissões que não lhe atribuo. Marinheiro, agricultor, padeiro. O homem asiático - talvez chinês, coreano, japonês - conclui a sua reflexão, sorri sozinho no vazio, e regressa ao mundo digital do seu telemóvel. Não notou a minha existência e nunca saberá deste texto. Depois, como eu, sai em Utrecht Centraal para a noite fria, chuvosa. 

05/03/2023

Não cortas as unhas aos gatos?

A minha mãe viu os arranhões na minha testa ficarem mais vermelhos. Disse que eu os esfregava enquanto falava, nervosa. Foi buscar água oxigenada e algodão. Esticou-se para tratar os arranhões. Disse que podiam infetar. Eu ri-me. Não infetam, são superficiais. O algodão molhado refrescou-me as ideias. Perguntou se prefiro betadine. Eu não sei o que disse. Ri-me de novo. Mas ela foi buscar o betadine e mais algodão. Depois disse que a minha testa ficou castanha e que o betadine não era bem betadine, era o produto da marca do Continente, o único existente na altura do coronavírus quando o comprou.