18/06/2015

Cinco anos sobre a sua morte e ele não morreu

"... e nisto se estava quando, meio-dia exacto era, de todas as casas da cidade saíram mulheres armadas de vassouras, baldes e pás, e, sem uma palavra, começaram a varrer as testadas dos prédios em que viviam, desde a porta até ao meio da rua, onde se encontravam com outras mulheres que, do outro lado, para o mesmo fim e com as mesmas armas, haviam descido. Afirmam os dicionários que a testada é a parte de uma rua ou estrada que fica à frente de um prédio, e nada há de mais certo, mas também dizem, dizem-no pelo menos alguns, que varrer a sua testada significa afastar de si alguma responsabilidade ou culpa. Grande engano o vosso, senhores filólogos e lexicólogos distraídos, varrer a sua testada começou por ser precisamente o que estão a fazer agora estas mulheres da capital, como no passado também o haviam feito, nas aldeias, as suas mães e avós, e não o faziam elas, como o não fazem estas, para afastar de si uma responsabilidade, mas para assumi-la. Possivelmente foi pela mesma razão que ao terceiro dia saíram à rua os trabalhadores da limpeza. Não traziam uniforme, vestiam à civil. Disseram que os uniformes é que estavam em greve, não eles."

in Ensaio sobre a lucidez, José Saramago

10 comentários:

  1. "Quando se vive de ilusões é porque algo não funciona. A nossa imagem (dos portugueses) mais constante é a de alguém que está parado no passeio à espera de que o ajudem a atravessar para o outro lado."

    José Saramago, Expresso (2008)

    Um beijinho, Susana

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    1. Uma das características que mais admiro nas pessoas em geral e no Saramago em especial é a inteligência. Ele era muito, mesmo muito.

      Outro beijinho, querida Miss Smile.

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  2. Querida Susana, faz hoje dois anos que o meu pai não morreu. Acho que se encontram às vezes para desabafar, costumo vê-los de costas, caminhando tranquilamente, gesticulando, e deixo-os ir, de tão entretidos que estão, a ver mais longe...
    Um beijo

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    1. Minha querida Teresa, esse é um quadro muito belo, apesar de tão triste. Muito muito belo. Obrigada.
      Um beijo, desta vez com um abraço apertado, em silêncio.

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  3. Vive nas palavras que nos deixou:))
    Um beijo Susana

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    1. Quem nos deixa um pedaço da sua arte não morre. Não em nós.

      Outro beijo, Just. :-)

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  4. Há pessoas que simplesmente são imortais... sejam famosos para o mundo, ou simplesmente no nosso mundo! ;)
    Boas leituras!:)

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    1. No mundo que escolhemos para nós. E nós escolhemos continuar a tê-lo vivo. :-)
      Boas leituras por aí, querida Luísa.

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    1. Também é dos que prefiro. Da passagem que transcrevi lembro-me muitas vezes.
      (Gostei muito do poema, Cuca, do teu preferido. Obrigada outra vez.)

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