Todas as terças feiras do último mês me viram sair de casa depois do jantar, meter-me no carro... não, afinal não viram, porque na garagem costuma estar escuro e eu gosto de fazer o corredor até ao meu carro às escuras enquanto penso que não tenho medo dos ratos imaginários como a minha vizinha do sétimo andar tem e ainda ensaio o andar da Charlize Theron no reclame de um perfume chamado J'adore (isto há anos) em que tudo é dourado e o vestido dela também e depois o vestido cai ao chão no fim daquele caminhar que eu imito mas sem a parte de deixar cair o vestido ao chão, o que me ia atrasar um bocado, além disso sujava-se um vestido tão lindo e para mais não sendo completamente certo não haver ali ratos.
Portanto todas as terças feiras, agora é que é, saio depois do jantar para ir a meio da cidade, ouvindo a música que o rádio está a passar na altura, por exemplo uma ária de Bach, sabe muito melhor ouvir uma ária de Bach quando não se está à espera de ouvir uma ária de Bach do que quando sabemos perfeitamente que foi esse o disco que pusemos a tocar, portanto é assim que vou e vou apanhar três jovens com idades para serem minhas filhas e uma delas por acaso é mesmo minha filha, ao treino de voleibol. Faço a distribuição tipo carreira da noite, ao princípio dava uma grande volta porque me enganava sempre no caminho e uma das mães começava a ligar e a filha dessa mãe a dizer lá atrás sim, mãe, estamos quase, quando ainda eu não estava nada quase, mas a miúda não devia saber. Pelo caminho uma tagarelice sobre os passes, os serviços, o treino, enfim, aqueles nomes técnicos ditos muito depressa (elas falam sempre todas ao mesmo tempo) enquanto eu mergulhada no Bach, é um casamento de mundos que vai bem pela avenida da república fora e eu nestes momentos sou feliz sem querer (a imitar a Charlize Theron também).
Há três viagens atrás aproveitei uma distração na tagarelice e ataquei: então digam-me lá, alguém aí atrás gosta de ler?
- Ó mãe não comeces... - diz a minha filha.
- Não - diz a Joana.
- Sim - diz a Sara.
Isto ao mesmo tempo, evidentemente.
Claro que a Sara e eu fizemos a despesa da conversa o resto desse caminho, a miúda leva um avanço interessante considerando a idade tenra que tem, é a minha tia, diz ela, dá-me muito livros. A conversa das leituras da Sara tem pontuado as viagens desde aí, sem no entanto abandonar a Joana à noite que passa lá fora ou a Bach.
- Porque não lês, Joana?
- Não sei... acho que é porque não tenho livros.
Hoje ao jantar fui informada de que a Joana começou a ler um livro, que está a adorar e que já leu mais de cinquenta páginas. Ora isto também é situação para me fazer feliz.
- E que livro é, filha?
- Não sei, mãe... não me lembro...
Não faz mal. Amanhã é terça feira.
Se calhar está a ler "As Cinquenta Sombras de Grey" lol
ResponderEliminarHélder, se fosse esse o livro, a minha filha não se tinha esquecido do título. :-)
EliminarLol ah pois esqueci-me desse pormenor :D
Eliminar"J'adore" esta escrita cheia de recuos, marchas atrás e rotundas, como que simulando o percurso de casa até ao treino de voleibol. Uma ternura! Mas o que conta é que a literatura ganhou mais uma leitora e, o mundo, uma pessoa melhor. Gosto de acreditar nisso.
ResponderEliminarUm beijinho, querida Susaninha
Minha querida Miss Smile, muito obrigada pelas tuas palavras.
EliminarEu nem consigo imaginar uma vida inteira sem livros... e também gosto de acreditar nisso de a literatura ter ganho mais uma leitora. Mas claro que quem mais ganha é ela.
Outro beijinho. :-)
Tantas coisas que não se fazem porque não temos como.
ResponderEliminarQue bom que ela arranjou um livro. :)
Arranjou - acabo de saber - porque a outra miúda lhe emprestou.... Agatha Christie. Bom, não te parece? :-)
EliminarBeijo, Carla.
Boa escolha, temia a primeira, regozijo-me com a última.
ResponderEliminarJá ganhámos a semanada, certo?
Querida Teresa, ganhámos pois ganhámos. E até a mesada.
Eliminar(depois de tantas tentativas junto das minhas filhas e sobrinhos, normalmente frustradas, eis que surge alguém que ouve o que eu digo à primeira e pega num livro... é de valor, hein?)
É oferecer-lhe livros, como a tia da outra menina faz. Tudo menos o do Sócrates ou os daquela senhora do tarot que a minha mãezinha adora.
ResponderEliminar"Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero". Muito fixe, muito fixe.
Boa ideia, caro Grunho. E acho que até vou aproveitar a desculpa do Natal, para oferecer um livro à miúda, obrigada (nem Sócrates nem Tarot, com certeza que não).
Eliminar(é a primeira pessoa que comenta essa frase ali de cima, que me saiu num dia de verão do ano passado) :-)
;-)
ResponderEliminarUm policial parece-me bem para começar. Diz alguém que devorava todos os que podia na adolescência!
ResponderEliminarBeijos, Susaninha. :)
"e ainda ensaio o andar da Charlize Theron no reclame de um perfume chamado J'adore (isto há anos)"... o anúncio é o mesmo há anos, sim, mas precisamente ontem, Susana, vi que o modificaram, ou melhor, acrescentaram-lhe uma acrobacia. Acho que estiveram a dar-te tempo para ensaiar devidamente o andar e agora acharam que já podiam acrescentar uma coisa mais complicada ;-)
ResponderEliminarE que bom esse recrutamento para o prazer que ler pode ser.
Um excelente fim de semana, Susana.
Vim só acrescentar que o teu outro blog é de cortar a respiração, é uma explosão de beleza com títulos perfeitos.
EliminarAgora sim, está tudo dito. :-)
Tens outro blog??? Também quero ver!!!
EliminarE eu, Cláudia, já vi essa acrobacia. E sou bem capaz de... hum... talvez não.... (tenho filhas.... 'tadinhas)
EliminarQuanto ao outro blogue, muito obrigada! :-))) que bom teres gostado.
Querida Maria, está ali em cima desde há umas poucas semanas o link para o outro blogue, se bem que talvez um pouco invisível :-)
é este: avozdascores.blogspot.pt
Um ótimo fim de semana para as duas.