05/12/2015

Eu serei linda em Lisboa

A luz do frigorífico novo é de um branco-gelado que foge para o azul-glaciar, oscila entre emitir sensações de nave espacial e sala de operações de um hospital perto de si. Cobre-me esta luz oscilante enquanto alcanço o iogurte natural sem açúcar para lhe meter dentro os flocos de aveia simples, os flocos de aveia simples lembram-me os papelinhos tipo confetti que saem do furador de folhas de papel e faço a piada do costume para os meus botões sobre que bom não ter de assinar estes todos, divirto-me muito sozinha quando trago a alma dentro, sendo então todo este preparo em prol de ver se me largo de uns quilos que andam sempre comigo, eu mereço a elegância eterna. Mas vá, neste ponto, e sendo o frigorífico novo muito lindo e metalizado por fora (e é precisamente deste lado do grande eletrodoméstico linha-branca-variante-metalizada que nos encontramos), admite-se uma luz indecisa entre a tal nave espacial e a sala de operações -vou dizer - onde levei uma injeção na pálpebra superior do olho esquerdo por uma pequena coisa que ali estava indevidamente e tudo isto para quê?

Tudo isto para dizer que em Paris fui nova, linda, se fui, ninguém me avisou. Linda é em Lisboa que vou conseguir, como já expliquei com o parágrafo do frigorífico. No entanto, para ser linda depois de nova já não, necessito ocupar-me muito de mim, de forma que para poupar tempo que utilizarei a meu favor vou repostar (postar segunda vez) um dos textos que saíram na altura em que só eu lia este blogue, no qual se pode observar na verdade pura das crianças que de facto nova já não:

Eu ainda não tinha completado quatro décadas de idade. Estávamos as três a jantar, as minhas filhas adolescentes e eu. Elas sentadas à minha frente, do outro lado da mesa. Como gosto de as ouvir e de estimular a sua expressão de opiniões, iniciei uma conversa cujo tema já me fugiu, apesar de não terem passado muitas primaveras desde então. Porém recordo-me que desatei a utilizar tipo isto e tipo aquilo: "Hoje tipo o meu dia foi tipo bom e tipo o vosso?"

- Ó mãe, não gozes, não se diz tipo assim!
- Ah não? Então tipo como é que se diz?
- Sei lá, diz-se, pronto! Não dá para explicar...
- Explicar - continuo a divertir-me - ou tipo explicar?
- Ó mãããããee!!! (coro)
- Pronto, está bem. A mãe está velha e gorda...- rematei, para as deixar ganhar.

Dois pares de olhos bem abertos e sérios a fitarem-me, em jeito de avaliação. Os garfos pararam a meio dos trajetos verticais, cena congelada. Durou uns segundos, garanto.

Depois saiu o veredicto, sincero, claro:

- Gorda não estás...

(este post inspira-se neste outro, que me enterneceu, que gostei tanto de ler)

11 comentários:

  1. Gostei tanto Susana, uma omelete de paris com recheio de lisboa.
    Beijos saborosos das tuas filhas para o fim-de-semana.

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    1. Teresa, estás a fazer-me fome. Omelete de Paris com recheio de Lisboa é coisa para estar no menu de um restaurante meu, caso eu enveredasse por semelhante negócio. (a acontecer, dou-te os devidos direitos de autor, no worries, que eu sou muito linda por dentro)
      Bom fim de semana.

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  2. Tu és linda em qualquer lado! E eternamente elegante e nova. ;)

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    1. Se não houvesse espelhos nos centros comerciais onde eu às vezes ando, ainda que depressa, e eu não visse a realidade como ela é, podia acreditar nisso, pois podia. ;-)

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  3. linda Susana,
    o melhor do mundo virtual (para mim) é poder sentir a beleza das pessoas, sem sequer as imaginar. só pode tratar-se de beleza interior, claro está, transportada pelas palavras. a começar pela Mãe, de quem vem "a beleza originá(l)ria" do post, tenho visto muita mulher bonita por esta blogosfera fora.

    (já tive esta conversa consigo, linda Teresa :)

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    1. ah,ah, batota, agora que já sabe que eu sou feia, chame-me linda, que eu gosto, minha blogue-floreira, :)

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    2. É bem verdade, flor linda, a blogosfera é um jardim com muitas espécies que dá gosto apreciar, de lindas que são.
      (isto pode até ser um bocado pindérico, mas eu estou a gostar destas belezuras todas, ai estou)
      Beijinho, flor.

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  4. Susana, tu és gorda?
    Mas de corpo ou de produção intelectual e afectiva?
    Fiquei confusa... Andarei a precisar de óculos?

    E também não percebo isso de os miúdos dizerem "é tipo...". Deve ser um código deles.

    Beijos e bom fim-de-semana.

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    1. Isabel, tu não precisas de óculos, eu é que preciso.
      E sabes que a moda do "é tipo..." também existe em inglês "like" e em holandês "zeg maar"? (isto do que já pude apurar, evidentemente). O que eu não percebo é como estas ondas de hábito saltam fronteiras assim. Quando tu e eu éramos miúdas, não dizíamos tipo a não ser que realmente se aplicasse, verdade?
      Beijos e bom fim de semana.

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  5. Lembras-te daquela conversa das pessoas bonitas? Pois. É isso mesmo.

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