A tarde instalou-se numa tranquilidade plana a perder de
vista como se costuma dizer, ou pelo menos a minha mãe costuma dizer (mas não
foi hoje). Contemplo o movimento oscilatório do barco relativamente à firmeza
de solo onde pasta uma pluralidade de vacas. Eu estou sentada na linha de
transição de estado a deixar-me hipnotizar pelo movimento já referido, penso em
como é tudo tão mais lento quando se está num barco e depois lembro-me de Herberto.
Ele escreveu que um poeta estava sentado na Holanda contemplando vacas, se não
foram estas as palavras que usou, são estas as que uso eu. E é agora que toca o
meu telefone. Atendo o número, que desconheço, mas de Portugal nunca se sabe, estou
sim? Do outro lado uma voz masculina pergunta se sou eu que aqui estou, sou. E
depois diz que fala do banco Fixtín.
Não percebi bem o nome do banco, Fixtín?, e pergunto: como
disse que se chama o banco?
- Fixtín, minha senhora – mostrando indignação, continuou –
tem aparecido publicidade nossa em horário nobre na televisão e na rádio!
Continuei a perceber Fixtín e abstive-me de o inteirar, a
este senhor que interrompe a contemplação em que eu estava mergulhada, sobre os
meus parcos hábitos de televisão e, ultimamente, também de rádio. Entretanto já
vai ele lançado a explicar-me aquele aborrecimento sobre ir ser gravada a
chamada, quando eu esclareço, para poupar tempo, que não preciso de mais
bancos, que já tenho o suficiente relativamente a bancos e contas, muito
obrigada, uma boa tarde e…
- Mas eu não venho falar-lhe de contas!!!!, eu venho
falar-lhe de um cartão!!!!!!
- Mas cartões eu também já tenho e boa tarde e…
- Mas este é um cartão grátis!!!!! GRÁ-TIS!!!!! Não tem
anuidade, não paga nada, minha senhora!!
Esta é a parte em que me seguro para não lhe dizer que “não
sou a sua senhora”, mas ele continua, provavelmente sem parar para respirar.
- E, para além de ser GRÁ-TIS tem!! ainda!!! até 70%!!!! 70%!!!!!
de descontos nos nossos parceiros!!!!!
- Muito obrigada, eu não estou interessada, desejo-lhe de
novo uma boa tarde, com sua licença.
Ele emitiu qualquer coisa com maus modos, como se eu o
tivesse ofendido. Mas na verdade a ofendida fui eu. Por que carga de água iria
eu – ou alguém com mais de seis anos de idade – acreditar nestas investidas
enganosas camufladas de incentivos ao consumo que de qualquer maneira é
desnecessário?
Mas retomo a contemplação a tempo de ver uma das vacas voltar-se
e começar a afastar-se de mim.
(eu ia mostrar as vacas
dessa tarde de há dois dias ou três, que fotografei, mas pareceu-me mais
interessante, ainda que de qualidade duvidosa, pôr aqui a carga de água já que
falei nela - e esta é de agora mesmo)