03/08/2020

Desergonómico espetante ou espetador (mas mesmo)

No bairro das gaivotas, à hora em que o sino da igreja anuncia o tempo, setenta e três pessoas recebem, nos seus dispositivos eletrónicos em forma de chapa, a mesma mensagem de vídeo. Cinco pessoas consomem-na. As restantes encolhem os ombros. Elas não sabem que a descrença vem do absurdo convívio íntimo com a chapa de vidro e frio, um frio coberto com gordura de dedos e insatisfação. Carregam a chapa tão junto ao corpo que, quente (elas não sabem), chora quieto, ávido de outras curvas, em todas as horas. Nesta também? Sim.

6 comentários:

  1. Boa tarde:- Texto profundo, intenso, fascinante de ler.
    .
    Tenha um dia feliz
    Cumprimentos

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  2. Mas, às vezes, a chapa também faz magia e possibilita encontros que de outra forma não. Tipo: "Acredito que as pessoas que se querem bem, ainda que habitando mundos diferentes, têm lugares comuns onde podem encontrar-se." Então, mesmo um corpo que chore quieto ávido de outras curvas, pode, muito bem, ser apanhado a sorrir para a chapa, e, pelo menos nesse momento, pode, muito bem, só lá estar a gordura dos dedos, que te parece? Nessa, a parte da magia, também?

    Um dia, todo ele curvilíneo, Susana! Ah, e falta o exibicionista: :-)

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    1. Sabes, Cláudia, eu sou uma velha rabujenta. Devo ter sido das últimas pessoas a ter telemóvel. Sinto muito mais a vibração da existência nas relações presenciais, de olhos nos olhos e o som das vozes.
      Uma das coisas que detesto é estar na presença de alguém que não pára de mostrar fotografias de outros momentos da sua vida, de outras pessoas, uma espécie de intrusão de rede social na socialização real, tudo enfiado no diminuto ecrã. Doem-me os olhos.
      Mas enfim, claro que reconheço as suas potencialidades. Se não fossem elas, como seria possível estarmos agora aqui as duas a conversar, ainda que em diferido?
      :-)

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    2. Susana, mas era precisamente à beleza do último parágrafo que me referia, no sentido de, aqui, também nos tocarmos, também provocarmos emoções uns aos outros. O que queria dizer é que, pelo menos a mim, por exemplo, "a chapa", permite a existência de mais gente a enriquecer-me (era assim uma espécie de declaração de amor a vocês, pessoas que têm estes blogs :-)).
      No que exemplificas antes, estou completamente contigo, nem sabes quanto. Para mim, seria motivo de irritação, digo "seria" porque, justiça seja feita às pessoas com as quais me encontro, não costuma acontecer, aliás, não acontece, mas não acontece mesmo.

      (E agora vou ali ao último post contar-te uma história real) :-)

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  3. Mas essa é uma linda declaração de amor, Cláudia! 😊 somos uns sortudos em ter a tua companhia e participação aqui nos blogues, ainda que virtual, e repara que até falo no plural sem hesitar.
    Esta chapa onde agora estou a escrever fazendo deslizar o meu dedo no teclado raso também é minha amiga pelo menos naquilo em que eu posso influenciar, admito. Também me tem dado um jeitão a encontrar caminhos por ser capaz (ela, a chapa) de se ligar aos satélites e não me deixar tresmalhar muito. Isso adoro.
    Mas tem-me acontecido bem mais do que eu gostaria fazerem-me notar, por exemplo, que "toda a gente tem facebook menos tu! Não custa nada, bla bla". Enfim.
    Mas olha, tenho uma gata muito louquinha que acabou de partir uma coisa de vidro que por ser arredondada prometia diversão a rebolar no chão e eu toca de varrer e aspirar cacos a esta hora da noite. A que propósito isto vem, já não sei, tu puxas por mim.
    😎

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