Mas desta vez o comboio vinha em duas prestações, divorciou-se pelo caminho, chegou ao oriente desorientado, desorientou-me e eu perdi mesmo a minha metade, onde é que já se viu um comboio não alinhar nos carris, deixar-se dividir assim e não sei quê, gosto sempre de ler e não sei quê. Fazia tenções, eu, de me sentar no meu lugar, recostar a cabeça e fechar os olhos antes de desatar a fazer qualquer coisa, a semana acabou e a dor no braço esqueceu-se de voltar depois do efeito do comprimido que tomei de manhã cedo para poder pegar ao trabalho em forma total sem falta.
Na plataforma, é que ainda estamos na plataforma, olho o
relógio e vejo que o comboio se atrasou já dois minutos ou três, coisa inédita
sem chuva forte, cantoneiras caídas, um elefante espojado na linha ou nevões
incríveis, mas finalmente chega o alfa, há algo de másculo num comboio a chegar
que eu não sei descrever mas há, e traz carruagens com números, estranhos,
todos, ao da carruagem indicada no meu bilhete. Acaba o comboio e a minha carruagem nada, então que é
isto, corro à senhora fardada, senhora! senhora!, a minha carruagem não veio,
onde está a minha carruagem? (confirmo pela quinta vez o número do comboio, o
destino, a hora, os outros números, as referências, tudo tudo sem falhar nadinha). A
sua carruagem estava no desdobramento, minha senhora – a minha senhora sou eu nesta
cena - no quê?, no desdobramento, o que é isso? minha senhora não posso fazer
nada, o seu comboio já partiu, era aquele que parou na linha seis, esse? mas esse tinha outro número, ia para outro destino, vá falar com o revisor. E eu fui a correr,
bilhete no ar, antes que o comboio fuja, o revisor está rodeado de gente
indignada de bilhetes brandidos no ar, em aflição, cadê as carruagens,
mas isto mas aquilo, dois comboios com o mesmo número, toda a gente mas senhor
mas senhor, uma festa de bilhetes no ar, patético e autêntico, o revisor tem os
braços muitos grandes e tatuados e depois farta-se da malta toda de
repente porque já disse quatro vezes que somos todos da metade desdobramento e
não da metade normal, e a metade desdobramento já se foi embora, diz então, com um aceno tatuado no braço, vá, entrem,
arranjem lugar se puderem, que o comboio vai cheio, se não vão em pé! Corremos
todos às portas ainda abertas, ai jesus, entrei no resto de comboio (que não é a minha metade).
Eu, que não tenho jeito para arrancar pessoas dos seus
lugares nos comboios e depois me refastelar à vontade, isso não tenho, encosto-me à parede
ligeiramente côncava no extremo da carruagem em que estou, emprestada, e
depois deslizo por ali abaixo, em pé não dá, já trabalhei hoje doze horas muitas delas em pé, vou sentada no chão do alfa pendular até coimbra
e tenho muita sorte porque se me apetecer até sou capaz de ir deitada.
Portanto não posso contar nada do que se passa nas terras lusas que atravessamos, fazer um texto muito bonito, a lembrar as viagens na minha terra, à noite (já é de noite), mas mais moderno, claro, não posso.
Portanto não posso contar nada do que se passa nas terras lusas que atravessamos, fazer um texto muito bonito, a lembrar as viagens na minha terra, à noite (já é de noite), mas mais moderno, claro, não posso.
A meio deste post pendular um bocado enjoado (no chão o alfa enjoa mais) aparece o revisor das tatuagens e eu daqui estico o braço com o meu bilhete uma vez mais no ar e digo que vou reclamar e pedir o dinheiro de volta, ai vou. Ele que faço muito bem, faço faço, mas o que interessa é chegar a casa, não é, diz ele, lá isso é, penso eu, e depois acrescenta que as pessoas nunca reclamam, encolhe os ombros e desaparece comboio fora.
O que ele não sabe é que eu não sou as pessoas. Se fosse, teria escrito coimbra com letra maiúscula, como deve ser. E oriente. Mas como vinha enjoada, o post ficou assim na versão alfa. Pendular.