a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

22/03/2025

O exame

Tinha o Martinho já derrubado as diversas árvores no meu bairro, tantas, como eu nunca tinha visto, os homens dos serviços municipais desencaixado os painéis publicitários retorcidos, atingidos por elas, cortado os troncos que se haviam atravessado nas vias e varrido os galhos espalhados por todo o lado, quando chegou finalmente a hora do meu exame.

Já me tinha esquecido de como o estômago se contrai, as mãos tremem e o coração acelera à beira de um evento destes. Mas tinha tudo preparado: os ouvidos livres de auriculares, o pulso de relógio inteligente, o quarto de telemóvel, tablet, ou afins eletrónicos, a porta fechada. Nem os gatos eram permitidos junto de mim. Só mesmo o portátil de ligação à organização, com câmara e microfone ligadíssimos, o meu cartão de cidadão pronto a ser fotografado comigo ao lado. De resto, os livros, documentos, manuais, canetas, papel, água, um chocolatinho. Ah, e a impressora. Dez minutos antes poderíamos imprimir uma parte do enunciado.

Tirando as duas vezes em que a minha cabeça se desviou do centro de visão da câmara porque me estiquei na direção de um documento orientado a norte, e em que recebi avisos de cuidado! imagem não detetada!, tudo correu lindamente.

Este fim de semana é como se fosse de férias, nem noto que chove sem parar,  que está frio, e vento, e ao mesmo tempo nevoeiro, e húmido, e que as árvores mal começaram a florir, os insetos não polonizam nada, os pássaros quase não cantam, o sol não vem para secar a roupa. 

13/03/2025

A nova polivalência

Durante o duche matinal, senti-me imbuída de certa impressão pela polivalência de alguns personagens contemporâneos. Pensei até que talvez a Coca-Cola, também um gigante mas com muito mais idade, necessite de um incentivo às vendas da variante sabor manga/laranja, relativamente pouco apreciada, ao que parece.
Ou mesmo a conhecida Levi's, que anda tão carota nos modelos mais clássicos, aqueles sem esfregamento prévio de pedra pomes para rasgar o pano ou quase rasgar. De certeza que lhes daria jeito um empurrãozinho publicitário do presidente, pois então. 
Ao menos enquanto se entretém a publicitar marcas de produtos dos amigos, tão sofridos pelas próprias medidas absurdas e mesmo abjetas, não está a fazer mais estragos na economia, nas pessoas, no mundo.