a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

01/07/2025

Cebola crua sobre Vem à quinta, que engraçado

Recolhi o marcador de entre as páginas de "Cebola crua com sal e broa" do Miguel Sousa Tavares, onde interrompera a leitura antes do jantar. Estendi o braço a norte e pousei-o, ao marcador, em cima de um dos livros de poemas da Filipa Leal, moradores na minha mesa de cabeceira para alguma necessidade urgente que me assalte ao deitar. Ou pela manhã cedo. 
Esta cena - o marcador do "Cebola crua" sobre o "Vem à quinta-feira" - atraiu o canto do meu olho. Detive-me então uns instantes. A tira de cartolina acabada de ali pousar, exibindo um troço da imagem da capa do respetivo livro em tons de azul, estende-se sobre toda a altura do de poesia sem protuberar além dos seus limites nem mesmo um nadinha. Mas não só, também as suas cores comungam numa total harmonia com o espectro de aguarelas de céu e mar que ornamenta a capa do "Vem à quinta". Sério. O canto do meu olho não foi atraído em vão: como se estes dois autores, tão distintos na essência, se entendessem numa mesma linguagem, numa paz ali toda interior. 
Suponho que a Filipa Leal reconhecerá sem hesitar a existência do Miguel Sousa Tavares, quem sabe leu "Equador" (toda a gente leu "Equador") e acredito que o jornalista também conhecerá o nome da poeta, nascido como é de uma. Mas, pergunto aqui aos meus botões, que sentimentos nutrirão um pelo outro. Hum? 
Se se respeitam, se acham que o outro sei lá o quê, se não estão para aí virados ou se pelo contrário até muito.
E, ainda, já que aqui estamos, se algum dia se cruzaram, se apertaram as mãos, deram dois beijinhos nas faces, ou se terão evitado.  
Não sabemos: só eles o poderão dizer. 
O que talvez nenhum dos nossos protagonistas saiba, mas nós sim, é que a mesma pessoa pode ler ambos com sofreguidão idêntica. Ah, pois. Porém vejamos a estranheza: com um deles a pessoa pouco ou nada se identifica, e com o outro, caramba, com o outro sente-se em casa.

(A vidinha faz-nos destas e depois o que se há de fazer, depois a gente alcança o dispositivo inteligente e, ao som dos grilos da noite de verão além da janela aberta, enquanto o termómetro desce devagar dos trinta graus, e pouco antes de se deitar a dormir, a gente vai e escreve um post chato como as casas como este.)