Sentámo-nos juntos no banco de jardim e ficámos calados. Ainda trazíamos os casacos de inverno porque a primavera, embora tardia, apanhou-nos de surpresa. O sol estava mesmo radioso, os seus raios compridos atravessavam os ramos das árvores e aterravam nos nossos rostos.
Eu deixei os meus olhos serem levados pelos transeuntes que, como nós, saudavam a primavera.
Passou a moça dos piercings a empurrar um carrinho de criança. Ela também ainda o era, vi isso na forma como caminhava.
Depois os dois casais da terceira idade, encasacados como nós. Uma das senhoras caminhava com um andarilho e dizia que mais depressa é que não podia. Disse isto sem lamúria, satisfeita pelo sol. Os outros três também iam contentes e nenhum deles queria acelerar o passo. Mas isso ela não sabia.
No outro sentido, vinha o rapaz do cão. Cruzou-se com os quatro do andarilho, e contrastou. Calças a descair na posição vertiginosa de exibir os interiores, andar de pernas abertas não fosse as vestes escorregarem. O cão era afinal cadela e vinha a arfar. Musculada e agressiva, como o dono.
Depois passou o homem que trazia o jornal debaixo do braço, o saco que reconheci ser da padaria e ainda mais um saco com compras do supermercado.
Os raios de sol intensificaram-se. Querem a nossa atenção só para eles, e nós estamos distraídos a olhar quem passa. Obrigaram-me a fechar os olhos. Encostei a minha cabeça no teu ombro, mesmo a jeito, tão ergonómico.
E foi então que entrou em cena o riso da criançada balouçando-se no parque. Havia um menino - ou seria menina? - que o pai empurrava, mais depressa, pai, mais depressa. Uma outra criança, mais velha, ria e cantarolava.
Obedecendo aos raios de sol, separei mentalmente os sons e sobressaíram agora os pássaros, tantos! Não os pude contar, mas eram bem uns quatro ou cinco diferentes cantares. Cada um no seu lugar daquela orquestra espontânea. Não te pedi para identificares os pássaros pelo canto, porque não sabia se tinhas os olhos fechados e os conseguias ouvir.
Ao longe ladrava um cão.
- Ouves o cão? - perguntei-te. Sim, ouvias. Tinhas os olhos fechados, então, mas não interrompi o teu concerto com mais perguntas.
Será que as outras pessoas tinham desaparecido e só os pássaros e o cão ficaram a brincar com os meninos dos baloiços? Voltei a abrir os olhos por instantes.
Não. Continuavam a desfilar mesmo à nossa frente, aquela menina que ia com o pai. Vamos para casa, Inês? disse ele, casaco descaído num ombro, o triciclo cor-de-rosa da Inês na mão que correspondia a esse ombro. A Inês desatou a correr e a rir, o pai e o triciclo atrás.
Conduzi a sinfonia ao meu gosto, abrindo e fechando os olhos. Ora as pessoas, o verde das árvores, as flores ali no jardim, os movimentos de quem passava, os raios do sol a cintilar em toda a gente. Ora os pássaros, os risos nos baloiços, os pais a chamar, o cão a ladrar ao fundo.
Adormeci, ainda com a cabeça no teu ombro, para ter a certeza que estavas ali.
Quando acordei estava a chegar à estação em que tinha de me apear, o comboio desacelerava. Utrecht, anunciava a voz em neerlandês. Lá fora ainda nevava e o teu ombro era afinal o vidro aquecido da janela.
Só não chorei, porque tinha sonhado com o nosso jardim. E, no meu sonho, éramos velhos mas estávamos juntos.
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