O colégio existia
há mais de cem anos no que tinha sido um convento desde há
mais de quatrocentos. Eu existia há nove. Fazia-o em todo o meu
esplendor, que era parco, verde e limitado. Não apenas pelos desígnios da
idade, mas principalmente por acção de uma persistente e espessa camada de
timidez. No que podia, a minha voz mantinha-se ausente. Atarefava-me, no entanto, a cumprir os deveres que me cabiam e não era meu costume estar
desatenta ou esquecer-me do que me diziam.
Mas era a pior aluna
da turma a ginástica. Quando vestia os calções
horríveis e o resto do equipamento para as aulas no ginásio do colégio, reparava na minha pele dos braços e das pernas a fazer manchinhas por causa do medo. Eu tinha medo das aulas de ginástica.
Principalmente depois de a professora ter mandado as outras raparigas da turma
correr à minha volta e cantar, apontando para mim, sentada no chão, ao
centro, a olhar as manchinhas da minha pele e a ouvir, bem entoada, a expressão que terá possivelmente pressagiado a minha elevada apetência para a maternidade: “pata-chocaaaaa, pata-chocaaaaa”.
Adorei, portanto,
crescer (mas isso foi depois). O colégio tinha um só ginásio para dar resposta aos horários de todas as turmas, ocupação que, mesmo optimizada, depressa se revelou demasiado ambiciosa para o local da minha angústia maior. Ora na parte mais antiga do colégio, que eu mal conhecia, havia um claustro. E em redor deste claustro portas envidraçadas na maioria dos casos com cortinas brancas que escondiam salas misteriosas, de maneira que, com a situação do ginásio para se resolver, uma destas salas teve de levantar o véu e abrir portas mostrando como era capaz de fazer de ginásio e acolher os horários sobrepostos.
- Meninas, em
fila, mão no ombro da colega da frente, hoje vamos para o claustro. – disse, um dia, a professora de ginástica quando o horário da minha turma se
sobrepôs a outro.
Hoje vamos para o claustro. Foi a
primeira vez que ouvi a palavra claustro e que, ao chegar ao local, deduzi imediatamente tratar-se do nome do novo ginásio, vestido com cortinas brancas nas portas, agora abertas, olá claustro, e o claustro cheirava a velho.
No final desse dia, a minha mãe perguntou-me como tinha sido a aula de ginástica. Ela sabia que eu e a ginástica... enfim.
- Normal, mas fizemos ginástica no claustro. - tenho a certeza de que gostei de usar a palavra nova.
- No
claustro??!!
- Sim, no claustro. O ginásio estava ocupado. - pensei que talvez a minha mãe não conhecesse o claustro muito bem, mas ela parecia conhecê-lo perfeitamente.
- Sim, no claustro. O ginásio estava ocupado. - pensei que talvez a minha mãe não conhecesse o claustro muito bem, mas ela parecia conhecê-lo perfeitamente.
A minha mãe não
gostava que eu fizesse ginástica no claustro, explicou-me, porque no claustro está muito
frio, e eu já tinha apresentado três pneumonias em casa
(bronco-pneumonias, dissera o médico). Eu não o achava assim tão frio, mas as mães estão sempre preocupadas com os frios e a minha não era excepção. Foi, portanto, a minha preocupada mãe fazer
queixa da professora de ginástica à direcção do colégio: que não se admite pôr os miúdos no claustro, é um frio, no inverno, as pneumonias da miúda, etc.
Na aula de
ginástica seguinte, a professora chamou-me à parte e, com cara de zangada (que não era muito diferente da sua cara normal), perguntou-me
- Ouve lá, ó menina, então tu foste dizer à tua mãe que nós fazemos ginástica no claustro????
- Sim. - um sim muito fininho.
- E posso saber porque disseste à tua mãe que fazemos ginástica no claustro???
Lembro-me de olhar para o chão e tentar recordar-me, com urgência aflitiva, de alguma advertência sobre não dizer nada aos pais que às vezes fazemos ginástica no claustro.
- Porque eu não sabia que não podia dizer, professora... desculpe.
Mas nem mesmo depois, quando tudo se esclareceu, consegui gostar um bocadinho daquela professora. Nem dela nem de ginástica.
- Ouve lá, ó menina, então tu foste dizer à tua mãe que nós fazemos ginástica no claustro????
- Sim. - um sim muito fininho.
- E posso saber porque disseste à tua mãe que fazemos ginástica no claustro???
Lembro-me de olhar para o chão e tentar recordar-me, com urgência aflitiva, de alguma advertência sobre não dizer nada aos pais que às vezes fazemos ginástica no claustro.
- Porque eu não sabia que não podia dizer, professora... desculpe.
Mas nem mesmo depois, quando tudo se esclareceu, consegui gostar um bocadinho daquela professora. Nem dela nem de ginástica.
E falta dizer que este belo post podia ser ilustrado com esta ainda mais bela imagem.