a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

06/04/2016

Bacalhau albardado esfrangalhado

Ontem, pela hora do almoço na cantina, houve um esfrangalhamento da minha parte (bacalhau albardado, não me esquecerei) não muito bonito. Vejo, a seguir, que está sol lá fora, visto o casaco e saio. Atravesso o amontoado de cigarros a fumar colegas (ando irritante estes dias), desejei-lhes um bom fim de semana (mas esforço-me) e fui ao rio tomar sol.

Já?!

Até podia ter desejado um bom natal, nunca se sabe em que dia saio e não volto mais, mas fiquei-me pelo fim de semana, situação que sendo terça feira fez abrir os olhos a uns, o tal Já?!, e rir a outros, aqueles que reconhecem nestas questões atómicas de sair dos costumes, uma possibilidade, bom fim de semana.

Aquilo do bacalhau albardado consiste no envolver das fatias de bacalhau inteiras, compreendendo pele e espinhas, num polme amarelo que faz cobertura e depois vai a fritar. Ao degustar, mais tarde, os comensais terão de abrir o embrulho opaco e em princípio estaladiço, e de lá extrair o que é de comer, rejeitando o que é de engasgar, isto digo eu. Aliás digo e faço, é o esfrangalhamento. Mas isto, num dia assim de tempestade interna toda minha, assustou a dona Esmeralda, a minha querida dona Esmeralda (ao colocar a tigela da sopa no meu tabuleiro ao lado dos três pedaços de albardado - eu tinha dito dois, mas ela não obedece - olhou-me nos olhos e sussurrou um “e tome lá a sopa, para lhe aquecer o coração”).

Ao regressar da beira rio cheia de suspiros por férias, férias, férias, cruzo-me com ela, que ia a caminho do seu café pós almoço pós servir toda a gente pós arrumar os tabuleiros e pós ligar a máquina de lavar industrial, só a ordem é que não sei qual é.

- Então menina, não gostou?! Não é costume deixar assim tudo no prato... já ia lá perguntar-lhe se não quer uma peçazinha de fruta ou uma maçã assada, deve ter ficado com fome. (tenho razões ou não tenho para dizer a “minha querida dona Esmeralda”?) 

- Eu só deixei a casca, dona Esmeralda, comi o bacalhau; as espinhas e a pele não me puxam assim muito o apetite e foi preciso selecionar, só isso.

Ela então suspira, informa-me que adora a pele do peixe todo, bacalhau, incluindo as caras, maruca, a maruca que dá às netas come-lhe ela a pele, adoro!, uma vez até já me explicou que para quem está a dar de mamar a pele do bacalhau é do melhor para a produção do leite, está a ver, menina?, mas como sabe que não é o meu caso, salta a parte do dar de mamar e entra na explicação sobre como se faz o polme, não é casca, é polme, menina, e eu sei muito bem que é polme mas de vez em quando fico irritante e digo ervilhas quando é azeitonas verdes, eh suas grandonas! A dona Esmeralda perdoa-me.


Tomara eu que houvesse mais assim. Muitas donas esmeraldas. O mundo havia de ser bom e eu podia prescindir das férias, férias, férias e deixar de me fazer irritante.

(ainda não terminou a leitura do José Saramago que lhe emprestei há tempos, porque de noite dá-lhe o sono e de dia não quer estragar-me o livro a trazê-lo nos transportes públicos, não vá uma folha dobrar-se na ponta – foi o cabo dos trabalhos convencê-la que pode, pode dobrar as folhas na ponta, o livro quer ser lido e eu importo-me com outras coisas, não com essas – e agora já está quase a acabá-lo, anunciou-me)

14 comentários:

  1. Fazem muita falta ao mundo as donas esmeraldas. :)

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  2. prefiro a Dona Esmeralda ao Saramago, pelo menos, neste post. :))
    Um beijo, Susana,
    Mia

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    1. Tanto um como o outro são benfeitores para mim. Prefiro os dois. :-)
      Outro beijo, querida Mia.

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  3. Às donas esmeraldas parece que foi confiada uma importantíssima missão, cuidar um pouco de todos os outros, dar-lhes conforto, mesmo quando estão irritantes...Espera, Susana, está a apetecer-me poesia, está a apetecer-me chamar uma espécie de anjo da guarda à dona Esmeralda (trago para aqui a poesia, o Pipoco já me deixou distribuir bofetadas lá na casa dele, já aliviada, chego a tua casa cheia de poesia :)).
    Que bom, a dona Esmeralda já estar quase a acabar o livro, espero que esteja a gostar, um livro pode ser mais uma boa companhia e as boas companhias, já se sabe, têm o condão de nos afastar do nosso modo irritante.

    Beijinhos, e se quiseres pode ser já: Bom fim de semana :)

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    1. Sabes, Cláudia, um dia a Cuca (a Pirata) ofereceu-me na caixa de comentários dela um poema. É um poema do grande Jorge Luís Borges e chama-se "Os Justos" (tenho a certeza de que o conseguirás encontrar facilmente, caso não consigas diz e eu ponho-to aqui). Esse poema fala das donas esmeraldas e fala também de pessoas como tu e eu. Foi um poema que me posou a mão no ombro e me tranquilizou, na verdade esse poema mudou-me a perceção do mundo, parece impossível mas é verdade (disseste que te apetecia poesia, não foi? :-)).
      Mas querida Cláudia, cuidado com as bofetadas, que hoje em dia parece que elas andam aí à solta pelos facebooks dos ministros e depois é preciso pedir desculpa e não sei quê.

      Olha, eu cá adoro conversar contigo.
      Um beijo e um abraço apertado. E um excelente fim de semana, claro. :-)

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    2. Assim, deixas-me sem saber o que dizer. Sabes que mais? Em vez de palavras, fica aqui um sorriso, de orelha a orelha.

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  4. Podia juntar-me aos teus suspiros e irritação mas ao invés disso e para contrariar ( a ti e a mim) vamos mas é e finalmente de fim de semana, adoçá-lo q.b. e dar graças a todos os deuses por haver pessoas que se preocupam connosco e ainda nos oferecem maçã assada ( a ti, claro, porque a mim ultimamente têm-me oferecido muito trabalho!) :P

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    1. Sim, que seja um fim de semana doce e mágico, feliz e com sol. Um assim mesmo em grande e em bom.
      :-)

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  5. Um viva às donas esmeraldas que andam por aí.
    E gostei da ideia de desejar bom fim de semana à 3ª... acho que vou aproveitar. ;)

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    1. São pessoas que salvam o mundo. Mas não ficam para a história.
      Um beijinho, Princesa. :-)
      Boa semana.

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  6. Abençoadas Donas Esmeraldas que adoçam nosso mundo às avessas.
    ;)
    bj

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