As casas desta aldeia serrana, beirã, estão todas vazias
menos esta de onde escrevo. Havia uma vizinha checa, ali em cima, uma vizinha de
Brno. Não sei o nome dela, vamos imaginar Sardska se faz favor. Sardska
apareceu aqui na rua no dia de fevereiro em que nevou toda a
manhã, e eu bom dia para ela. Vinha sem dentes Sardska, trazia uns três ou
quatro, talvez, e vestia roupas muito velhas; a solidão, quando perdura, faz
isto às pessoas, desarranja-as. Sorriu-me e respondeu-me em inglês. Há quinze
anos não via nevar neste sítio. Com ela vinha um cão dando saltos estranhos, olhei-o.
Ela: que ele nunca tinha visto neve e estava doido de alegria o cão. No
verão soube que Sardska foi para uma clínica, para ter mais companhia. Também
havia um vizinho britânico, aqui em frente. Costumava ir pescar ao rio levando uma
caixa com larvas brancas que se contorciam – ele abriu a caixa para eu ver as
larvas - são de mosca, diz-me. As larvas
parecem enormes para serem de mosca. Os peixes adoram isto, justifica-se
(talvez eu tenha torcido o nariz às larvas sem querer), é o isco. John, vamos supor
que se chama John, voltou no princípio do verão para o reino unido dele, depois de
mais de duas décadas cá. Encontrei trabalho lá, explicou, e aqui só em
Sintra, mas Sintra é muito longe. As casas estão, agora, todas vazias. John
deixou ficar o carro, talvez pense voltar. Olho o carro de vez em quando. Penso
que assim estou a tomar conta dele, um bocadinho: ser boa vizinha. Ou então para
o carro não morrer aqui, também ele, como as casas, arruinado. A capota é de
lona e já tem um rasgo, alguém o fez com uma faca, o vento não foi.
árvores cheias e eu com tanta vontade guardada de as trepar :) é como se diz, nozes a quem nã tem dentes :)
ResponderEliminarManel, se trepasses estas podias até encontrar a árvore já ocupada pro uma... marta, quando não por uma coruja. Lá habitadas são, as árvores. :-)
EliminarUma aldeia vazia de gente, como muitas do nosso interior, mas cheia de beleza e muito viva nas palavras deste escrito.
ResponderEliminarÉ absurda a quantidade de casas devolutas, a maioria à venda, há anos. E tudo tão belo em redor, luisa.
Eliminar:-)
Lindíssima, mesmo.
ResponderEliminarObrigada, Cuca. E esta até tem nome, já não lhe falta tudo :-))
EliminarAgora deixaste-me com lágrimas nos olhos, Susana. Mesmo.
ResponderEliminarVai daqui um abraço para a pessoa que escreveu esta homenagem à linda aldeia que parece estar a agarrar-se à vida com unhas e dentes e a espalhar os seus frutos por aí.
Uma boa semana para ti.
É triste, pois é. Lugares tão bonitos, oferecendo tanto produto natural e tão vazios de gente.
EliminarE os centros comerciais tão feios e tão cheios. Curioso, não é?
Uma boa semana para ti também, Cláudia. :-)
“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
ResponderEliminarPor isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...”
Alberto Caeiro
É muito grande a tua aldeia, querida Susana.
Um beijinho :)
Pelo menos espaço não lhe falta. Nem céu, nem sol, nem bichos. E Alberto Caeiro fica cá tão bem.
EliminarOutro beijinho, querida Miss Smile :-)
Foste tu que a encheste de beleza :)
EliminarAh, Miss Smile, eu vejo a beleza, isso sim. :-)
Eliminaras aldeias estão a morrer, mas ficam perpetuadas sempre que há registo de passagem de alguém que as encarna.
ResponderEliminarbeijinho e boa semana, Susana.
Mas sabes, Mia, há uma nova vaga de gente a repovoar, sobretudo gente de além-fronteiras, mas há.
EliminarOutro beijinho, Mia, e uma boa semana para ti também.
E eu que tanto gostava de ter uma aldeia!
ResponderEliminar~CC~
Mas CC, aqui há muitas muitas que de certeza gostariam de te ter a ti. :-)
Eliminar..Mas é que é por dentro que tudo temos. Com a vantagem de não haver sumiços ou desencontros. Eu, por exemplo, já tenho várias aldeias, sou rica de tê-las assim neste modo desprendido de serem tão minhas como não.
ResponderEliminarGostei do texto, sim.
É fácil criar laços com estes locais abandonados, restos de histórias que se leem nas partes quebradas do que resta. Tornam-se de facto nossos.
EliminarUma boa semana, bea :-)
as coisas que nós gostamos e que são belas nunca morrem :)
ResponderEliminarÉ isso mesmo, Laura. :-)
EliminarÉ uma aldeia a sul de Lisboa ou a Norte?
ResponderEliminarSe for a sul e quiser contar-me mais envio-lhe o meu mail para me escrever, caso possa e queira. Mas a Norte não posso, ficaria longe de mais para combinar com a vida que tenho. É que estou a falar mesmo a sério, tenho vindo a procurar uma casinha numa aldeia ou próximo de uma, não gostaria de um lugar muito isolado, o que a sul é mais díficil.
~CC~
Ah, CC, que pena. Esta fica a 200 km a Norte de Lisboa. Esta e muitas outras, há centenas de casas mais ou menos arruinadas à venda. É um bocado longe para mim também mas, em chegando, compensa. :-)
Eliminar(há uma zona no Alentejo que eu acho linda, embora agora seja palco de festivais de verão e isso para mim já não dava... é em torno da Barragem de Póvoa e Meadas.)
Obrigada Susana, há muitas zonas bonitas no Alentejo mas os preços...sempre excessivos. Ainda assim, continuarei a procurar. Guarde bem a sua aldeia e oxalá as casas se vão voltando a encher de gente. Um beijinho
Eliminar~CC~