Lá fui dar àquele balcão do supermercado onde se passam
temporadas com frio. O sargo anunciado selvagem numa tabuletazinha espetada no
gelo limítrofe, mas foi para a pescada que me virei, uma inteira, se faz favor, depois partida em postas assim - aos meus dedos impus configuração de largura de postas,
umas senhoras postas.
- Para cozer?
Para cozer. Engraço muito com os laivos nacarados, acho que é nacarados, que o teor
de ferro confere à superfície do naco branquinho, depois, já no prato. É só
inclinar a cabeça e vê-se perfeitamente, são azuis, são verdes, são lilases. Mas aguardo ao
balcão desta temporada ao frio bastante bem vestida. São duas camisolas de
gola alta, ó se faz favor, uma sobre a outra e depois o sobretudo cinzento ao
qual recentemente preguei um botão caduco. Normalmente é ai que frio, ai que
frio, mas hoje pude observar os peixinhos com vagar. A minha filha vinha distrair-me a espaços perguntando que mais vai ser, mãe, ela não tão bem
vestida quanto eu, nem por sombras, ia abastecendo o carrinho de compras que me secundava, os ovos, uma garrafa de vinho
branco, o pedaço de abóbora que a esta hora já virou sopa, o louro, os
iogurtes. É algures entre os ovos e a abóbora que torno a olhar a minha pescada inteira
ainda não partida, porém já sem cabeça, e a vejo toda abandonada por baixo da
torneira móvel extensível que lava balcões de tripas e o chão e as raparigas que trabalham o
peixe se for preciso mas não foi, portanto pergunto, então a minha pescada? Estou meio a
querer zangar-me daquele abandono, mas só meio por causa do agasalho que me
mantém quente a paciência, admirada de ver a moça a descascar as escamas doutro
bicho que até deita corpo de pescada mas eu daqui não tenho a certeza. Então
a minha pescada?, repito, ao que ela diz já vai, já vai e a cigana que está
aqui ao meu lado no balcão chega-se mais perto e explica-me que eu estava
distraída a conversar, e estava, sobre os ovos, e
não vira que a primeira pescada não estava boa, que estava moída.
Interessei-me. Moída?! Moída, querida. A cigana chamou-me querida. A rapariga
do outro lado do balcão, que largou por momentos a pescada segunda, sempre era
pescada o bicho supracitado, vem então ilustrar a conversa com a pescada primeira
nos braços, mas já sabemos que sem cabeça, vê, está moída. Pressiona com os dedos o lombo descoberto
e diz, não podemos dar o peixe assim aos clientes.
Quando a pescada segunda, em postas, foi colocada suavemente
no tapete rolante da caixa de pagamento, perguntam-me se tenho cartão de
cliente.
- Ter tenho, mas está em casa. Vim direta do aeroporto,
aterrei mesmo há bocadinho.
E foi muito o que disse; explicar que esta minha filha já me
vai buscar de carro onde eu precisar, que o sobretudo e as camisolas de gola alta deram um jeitão à beira do pescado para que não me zangasse sem razão e que estas postas, minha
senhora, podem muito bem ir dar em post é que já não fiz.
Oh...o frio que também costumo ter nessas secções dos supermercados! Deviam providenciar um agasalho aos clientes...
ResponderEliminar~CC~
Isso havia de ser uma excelente ideia... tipo as mantas que agora se oferecem nas esplanadas invernosas.
EliminarA única coisa que consola é saber que o pescado está assim muito mais livre de bactérias e coisinhas afins, tão indesejáveis.
:-)
A area dos congelados esta sempre mais que gelada em todos os supermercados!
ResponderEliminarForam simpaticos em lhe dar um peixe bom em vez do moido.
Foram, sim. Eu não iria notar que a pescada vinha moída. Mas na verdade se me distraí é porque confio. E está provado que posso. :-)
EliminarPois eu não sabia que é o ferro o responsável por essas tintas de cores nacaradas na pescada e que me lembram sempre o avesso de uma concha sendo que são peixe.
ResponderEliminarNão simpatizo com esse inverno de compra. E ainda simpatizo menos com o cheiro que por lá ciranda. E é um problema que o peixe não vem ter comigo a casa. Ora esta.
Eu não tenho nenhuma certeza científica de que seja o ferro o fazedor das cores, mas foi o que me disse alguém quando, na infância, perguntei que cores eram aquelas tão lindas no peixe. :-)
EliminarO cheiro do peixe não faz jus ao sei paladar, isso de facto não.