Eram quatro e meia da tarde quando o entorpecimento começou a andar ali em torno. Talvez pelo ir da concentração, de seguida, ou então quem sabe era o sol a entrar às fatias pela persiana que desce até meio da janela no gabinete do Cliente Grande; eu ia sendo apanhada na curva. Olha, olha, querem lá ver isto, nem pensar. Vejo a hora no canto inferior direito do ecrã (já disse). O bar fechará a que horas, pergunto aos meus botões. Então pego na carteira e faço-me ao caminho. O corredor é longo. O chão reflete a luz que incide amortecida, através de uma porta aberta; está um chão limpinho. Não vem ninguém. No silêncio, as paredes ostentam os cartazes abordando temas relacionados, reconheço todos menos um, que é novo. Chegando ao bar, a porta envidraçada está aberta. Entro e pergunto se ainda posso tomar um café, mesmo sendo a pergunta em princípio redundante. Não só faço perguntas aos meus botões não-respondentes habituais, como as faço quando conheço a respetiva resposta. É uma coisa que eu tenho. Gosto de ouvir falar o meu interlocutor, ou interlocutora, tomar-lhe o pulso da disposição, conhecer assim melhor como vai o mundo. Estes registos naturais devolvem-me a cadência real do todo, o respirar das engrenagens vigentes.
- Ora essa, então não pode?
E isto acompanhado de um sorriso generoso, o cabelo metido numa touca higiénica, a bata branca.
- Então se posso, é mesmo só isso: um café, se faz favor.
Enquanto apanho as moedas dentro da carteira até perfazer a baixa quantia que aqui vale o café - apesar de ser da mesma qualidade dos que valem o dobro - faço desta vez a pergunta cuja resposta nem eu nem os meus botões conhecemos.
- Às cinco e meia. Ainda falta um bocadinho.
Amanhã, se o entorpecimento se puser outra vez a rondar em torno, já sei. Não preciso de perguntar. Mas quem sabe torno.
Há depois certas coisas a tombar para a poesia e então uma pessoa pensa: "Sem comentários", fica a pessoa a não querer estragar. O problema, bem, vá, não é um problema, é só uma questão, é que se a pessoa só pensa e não diz quem escreveu não tem meio de ficar a saber que a pessoa achou que aquele pedaço de escrita estava a cair perigosamente para a poesia (nem levou vírgulas, agora) então, isto seria como ficar a desconhecer um momento de respiração de uma engrenagem vigente, não seria? "Engrenagens vigentes"!
ResponderEliminarBoa tarde, Poeta da vida a acontecer (e, não há cá generosidades, é assim e pronto) :-)
Ó menina Cláudia, e a poesia não terá vindo tombar é na caixa de comentários, não?
EliminarA poesia que poderá passar por mim vem de fora, Cláudia, absorvo-a do mundo belo que me rodeia e especialmente das pessoas bonitas. Há imensas, se a gente olhar bem. Queres que dê um exemplo?
Obrigada por cá vires, pronto. :-)