a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

22/04/2021

O processo (mas outro)

Amanhã é dia de esvaziar caixotes na rua e em toda esta pequena cidade holandesa. Até que enfim. Uma pessoa está aqui há tantos dias, toda meio confinada meio testada negativamente meio a caminhar na rua desmascarada e ainda uma pessoa não viu a cena mais excitante a alterar a ordem e a tranquilidade muito lindas e que é o esvaziamento de caixotes temáticos. Já sabemos que este é um processo operado por um camião de braço lateral mecânico que aparece na curva impecavelmente limpo. De tal maneira que a gente se distrai do teor lixeiro da situação. Bom. Portanto hoje é o dia de posicionar o próprio caixote da modalidade certa, de forma orientada a sul e à distância bem medida, constante, conhecida de toda a gente, da borda do passeio do lado norte da rua. Ainda não tínhamos chegado à hora de almoço e já havia dois lá fora, alinhados em sentido, aguardando o momento da sua agitação, o momento em que ficam de cabeça para baixo e rabinho para o ar. Como vai ser a vez dos de tampa verde, ou seja, dos de coisas naturais, quer de comer, como caroços de maçã, talos de bróculo ou cascas de batata doce, quer de olhar, por exemplo flores danificadas pelo tempo ou pedaços de sebe que ousaram passar os limites geométricos obtidos cuidadosamente para o jardim, mas como ia dizendo, como é a vez dos da tampa verde, os vizinhos da frente andam desde manhã, de luvas calçadas, a tratar de remover os verdes dejetos indesejados para encher os seus contentores de lixo fresquinho, mesmo antes do processo referido. A eficiência está na ordem do dia, um presente arrumado em caixas imaginárias esculpidas nem que seja no ar primaveril, temos de admitir. Mas note-se que disse contentores no plural, "os seus contentores". Sim, este casal da casa em frente possui não um mas dois na variedade tampa verde. Isto deve-se a uma política orientada para o ambiente. Por outras palavras, deve-se ao simples facto de o segundo contentor – obtido mediante pedido expresso às autoridades competentes - ser de utilização gratuita. Isto o de tampa verde, frisemos. Porque caso algum habitante se ponha por exemplo em exageros na utilização de plásticos e outros materiais de embalagem, enchendo o seu contentor dessa espécie em menos tempo do que aquele que medeia duas passagens do respetivo imaculado camião, esse habitante tem de pagar o segundo. Tem tem. E quem diz o das embalagens, diz o do papel e o do lixo sobrante, de tipos indefinidos, o lixo que os caixotes temáticos não querem. Ora eu, que sou má como tudo na versão holandesa, acho isso mesmo muito bem.

2 comentários:

  1. As limpezas não são só de alma, são também de ruas que, ao serem limpas, fascina o olhar e alegra a dita alma.
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    Saudações poéticos
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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    1. Também gosto muito de ver as ruas limpas.
      Mas para isso talvez seja preciso ter a alma também limpa, de facto. Nunca tinha pensado nisso.
      Boa semana poética, Ricardo.

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