a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

07/02/2023

Dia de folga

Era domingo e tinha chovido toda a tarde. Quando peguei no carro estacionado debaixo da buganvília sem flores nem folhas, já a noite havia caído. Fiz-me à estrada serra abaixo e Portugal abaixo com destino a Lisboa, onde iria trabalhar presencialmente no dia seguinte. Parei – como tantas vezes – na estação de serviço de Santarém, que é mais ou menos a meio caminho. Ao entrar nas instalações sanitárias, fui recebida por uma quantidade não habitual de sujidade, com falta de papel higiénico e cheiro duvidoso a pairar. Mas ia concentrada em entrar no cubículo que escolhi para o assunto que ali me levou sem tocar nos bordos da sanita com o meu belo e novo casaco compridinho. Em princípio consegui (ainda não estou assim tão gorda, embora quase) e só depois me caiu a ficha, ou seja, me dei conta da situação ali toda esquisita. Não é costume, realmente. O costume é estar o chão limpo, o ar cheirando a detergente de lima-limão ou frescura da montanha e haver papel higiénico. Mas então penso um pouco mais a fundo e batendo com a mão na testa recordo a mim mesma: é dia 1 de janeiro! As pessoas da limpeza (ia escrever senhoras da limpeza) também têm direito a ter este dia de folga!

Saí dali mais contente. As pessoas que limpam as sanitas, o chão e outras porcarias, pelo menos não o fazem no dia 1 de janeiro. E nós, as que não o fazem é nunca, temos oportunidade de sentir a falta do seu trabalho que é tão importante. Essencial. Devia ser um trabalho muito bem pago.

2 comentários:

  1. Muitas noites quando o camião do lixo passa penso nesse trabalho duro e invisível que nem a pandemia parou, ninguém lhes bateu palmas nem agradeceu.

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    1. É verdade, CC. Ninguém podia fazer a sua vida no meio do lixo e da sujidade. Quantas pandemias essas pessoas evitarão fazendo o seu trabalho? Impossível saber, mas gostava.

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