Hoje quero contar-te isto.
Depois do trabalho, passei no supermercado e trouxe para casa três cenouras grandes, uma courgette que me agradou, um molho de brócolos com uns quinze centímetros de diâmetro, um nabo sem baixos relevos, os nabos sem baixos relevos são muito bonitos, um paralelepípedo de abóbora embrulhado no celofane, material que devia ser proibido de tão irritante, cola-se a tudo menos ao que queremos embrulhar, café também trouxe, um frasco de champô e a determinação de fazer uma sopa a tempo do jantar.
Já em casa, descasco tudo o mais depressa de que sou capaz, a courgette ajuda, é estratégica, substitui batatas que têm mais casca para tirar e, compreendes, nem sempre se consegue encaixar os afazeres todos no tempo de que se dispõe.
Mesmo com a intrusa da courgette e a porção reduzida de batatas, esmerei-me a sério. Enquanto parto os brócolos em metades e em metades das metades, penso nos fractais e nesta particularidade de se auto repetirem infinitamente na forma, por mais que os parta ao meio e ao meio e ao meio ficam sempre com a mesma cara, a couve-flor também serve de exemplo, mas tu não fazes ideia do que são fractais e eu pouco faço também, o que gosto é de fazer misturas com a conversa.
Deixei a sopa cozer, espetei um garfo nas cenouras a verificar o progresso do empreendimento, já sei que estas são os ossos mais duros de roer, engraçado escrever isto porque ossos não são para aqui chamados, mas tu entendes, talvez até que esta prosa desajeitada te faça sorrir.
As miúdas é o costume, ai mãe que sopa é esta e espreitam para dentro da panela a antecipar a luta, mas eu aprendi em todos os manuais que li quando elas nasceram, e antes e depois, e sei bem os poderes da sopa.
É que até lhe dei um nome, desta vez. Lembrei-me do autor do livro que ando a ler e que me ensinou sobre o efeito subliminar das coisas, diz que se lermos uma receita em letra difícil achamo-la também difícil de confeccionar, mas se a lermos em letra direita e fácil de ler, o nosso cérebro faz colagem ao conceito e acha-se capaz do cozinhado, mas adiante, que isto não te interessa nada, pois não?
Dei nome à sopa.
E perante a pergunta do ai mãe que sopa é esta, olha o que lhes disse, aveludado de abóbora gourmet com guarnição às dez horas. Gourmet usa-se agora para tudo o que se possa comer e queira parecer sofisticado. E as dez horas onde as fui buscar? Escuta, já conto.
Obtive um silêncio respeitoso das garotas, servi-lhes os pratos com o creme alaranjado com pontilhados verdes e posicionei uma folhinha de basílico fresco a meio do raio do prato (raio no sentido de metade do diâmetro, estás a imaginar?) e orientei os pratos de forma a deixar o basílico às dez horas de um relógio que não estava ali.
Resultou, comeram tudo e o nome caiu bem, para a próxima queremos às duas horas, disseram, então é só rodar o prato. E rimos. E tu também te ias rir.
Achas esquisito contar-te isto agora, calculo.
Podia dizer-te que o meu creme aveludado de abóbora gourmet não segura colheres em pé nem espalha aromas inesquecíveis pela casa, essas magias são tuas.
Mas escrevo-te isto para enganar a saudade e te sentir aqui ao meu lado a ouvir a minha história tola e a rir dela comigo, avó.
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