a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

11/09/2014

Chave na mão

Coisa? Qual coisa? Eu estou sempre bem, dizem-me.

- Estás sempre bem.

Venho então a casa à hora do almoço, já que é assim. Estaciono no pátio, meto a chave na porta do prédio que mais pesada não por favor, só com muito balanço é que vai, entro, depois seguro-a, ajudo-a a fechar-se, quase me leva atrás, clic em vez do estrondo que se consegue ouvir no décimo sétimo andar, o que se torna aborrecido à hora do almoço.

No átrio ladeado de quatro filas de caixas do correio que reflectem de forma igualmente brilhante a luz que inunda a entrada, as plantas viçosas são a prova disto, para quem não visualizar como deve visualizar, eu cruzo-me com a vizinha de quem mais gosto, mulher com muita classe, a elegância terá nascido com ela e ainda não a largou, a simpatia também, nem quando enviuvou há uns anos e andou meses tão triste. A Maria José já passou dos sessenta mas parece muito menos.

- Tenho uma coisa para lhe contar - e agarra-me no braço, olha-me fundo nos olhos, sorri.

- Então?! - eu já toda contente a ver que vem aí coisa boa.

- Estou apaixonada!

- Ahhh que bom!!!!!!!

Abracei-a, dei-lhe os parabéns, pedi os detalhes, e ele? também está?, ela deu-mos e, sim, ele também está.

- Já me fez ganhar o dia, Maria José! - declarei, satisfeita.

Depois subi as escadas, gosto muito de subir as escadas à hora do almoço, levando um sorriso qualquer dentro de mim, tenho a certeza, e a chave na mão. Estou sempre bem. Abri a porta.

- Mãe! O que foi?

- Cruzei-me com a Maria José, ela está feliz, filha.

- Ah que bom! Parecia que vinhas com alguma coisa, tens os olhos a brilhar tanto!

- Isso é porque eu estou sempre bem, querida.

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