À entrada do parque deram-nos um mapa, ou melhor, uma espécie de jornal que tinha um mapa. Tinha também notícias e advertências várias.
Como não ia eu a conduzir o carro alugado, abri o jornal e pus-me a ler. Nessa época, corria o mês de abril de mil novecentos e noventa e seis, eu já tinha o impulso de ler tudo o que me aterrava nas mãos ou debaixo dos olhos.
Li então que não era permitido deixar dentro do carro estacionado, à vista, pacotes de batatas fritas ou de bolachas ou alimentos do género. Por causa dos ursos. A acompanhar, estava uma fotografia de uma janela de um carro dobrada ao meio.
Li também que caso nos deparássemos com um destes ursos, bicho negro de tamanho respeitável, deveríamos enfrentá-lo, levantar e agitar os braços, bater com os punhos no peito, gritar, fazermo-nos, em suma, grandes e assustadores. Li duas vezes, para confirmar que tinha lido bem e para memorizar as instruções. Assim, em princípio, o urso leva um susto e sai-nos da frente (eles notavam no artigo que os ursos estão habituados às pessoas). Se isso não acontecer, atiramos-lhe a nossa mochila de presente, para que ele se entretenha e então afastamo-nos.
Levantei os olhos da leitura, o carro rodava devagar pelas estradas do parque Yosemite, na Califórnia, estradas ladeadas de árvores, aqui ainda não são as sequóias, são outras, e ia partilhar estes interessantes artigos do jornal, mas os meus três amigos tagarelavam sobre as caminhadas ascendentes nas falésias que circundam o vale gigante, que bonito deve ser chegar ao topo da cascata, e eu deixei o assunto dos ursos para mais tarde.
E mais tarde chegou. Tínhamo-nos separado dois a dois de acordo com os interesses de cada um, havia que aproveitar o tempo, e os dois que ficámos deste lado caminhávamos pelo bosque, junto a outras pessoas, um grupo grande, à nossa frente.
Eu ouvi um urro que não atribuí aos passarinhos, mas pensei que era sugestão da minha leitura. Observei disfarçadamente os outros e ninguém pareceu ouvir o mesmo que eu. O segundo urro não tardou.
- Ouviste isto? - perguntou-me o Miguel.
As pessoas à nossa frente aceleraram o passo e olhavam para trás, para nós, que não temos cara de ursos, depois para trás de nós, e aceleravam mais o passo. O Miguel fez menção de acelerar também.
- Não te preocupes. Se o urso aparecer, fazemos assim, escuta.
E então contei-lhe a ele o que escrevi ali em cima, mas mais depressa. Ele disse que eu estava maluca e que íamos correr. Agarrou-me no braço e puxou-me. Corremos nós e os outros que iam à nossa frente. Correu toda a gente para a estrada até deixarmos de ouvir o urso.
Eu não estava maluca e tive muita pena, sinceramente, de não o ter visto.
O Miguel ainda tremia e eu a dizer-lhe que era só seguir as instruções, as que ele não quis ler, mesmo quando lhe abri o jornal à frente do nariz.
Sempre que contei esta história que de mentira só tem o nome do Miguel, ninguém acreditou em mim.
Os mais simpáticos disseram que vá, acredito, mas o que ouviste foi um som gravado a sair de uns altifalantes escondidos nas árvores.
Meus ricos, disse-lhes eu, isso é o que há nas ramblas, em Barcelona. O som dos pássaros que lá deviam estar e não estão por causa dos encantadores de serpentes, e isto não é mais que a minha opinião, são gravações emitidas por altifalantes pendurados nas árvores. E eu vi-os.
E também vi, mas aposto que vocês não, que as pernas do árbitro que apitou hoje o nosso jogo são feias. Mesmo feias.
E agora, já acreditam?
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