Há tempos vi-a na televisão. Reconheci-a logo, apesar de terem passado mais de treze anos.
Estava a ser entrevistada numa reportagem sobre empresas que promovem a natalidade através das facilidades nos horários das mães trabalhadoras e ela, hoje directora de um grande departamento numa grande empresa, explicava aos jornalistas e a nós, os lá-em-casa, o que se faz naquela grande empresa para que crianças dali nascidas não saibam o que é uma mãe ausente, uma febre camuflada enfiada na escola, um crescer, em certa medida, aos tropeções dados em nome das exigências profissionais dos pais. Ali respirava-se toda uma louvável atitude, muito nutritiva para a tão importante unidade celular da sociedade, a família.
Ela, vou chamar-lhe Luísa, e eu estávamos por acaso no mesmo evento de empresas com colaboradores acompanhados das famílias; crianças havia muitas, bebés alguns, um dos quais era meu, ou melhor, minha, e outro, aliás outra, era dela.
As circunstâncias levaram-na a perguntar-me se a queria acompanhar nessa tarde numa viagem à cidade espanhola mais próxima, Badajoz, para uma sessão de compras.
As circunstâncias levaram-me a aceitar o convite não sem alguma hesitação, pois para mim a ideia de compras não é presságio de alegrias, no entanto impossível seria juntar-me às actividades radicais do resto do grupo, verdadeiramente inadequadas para as nossas bebés - a minha e a dela.
O Audi do marido da Luísa, que também não tinha aderido às actividades radicais e tinha em memória a posição de condução dela, a demonstração fê-la a Luísa na perfeição, vês que moderno é o carro do meu marido, claro que vejo, o Audi, era aqui que eu ia, levou-nos a Badajoz.
A viagem não durou mais de hora e meia, mas foi bastante informativa. A Luísa vai todos os fins de semana para fora com a família e começa a escolher o local à quarta feira. Perto da água é o requisito que permite ao marido pescar, perto de uma cidade é o outro que lhe permite a ela fazer compras. A bebé leva-a para as lojas, o rapaz, também havia um rapaz que aparenta uns nove anos de idade, ficava no carro junto à água a jogar gameboy enquanto o pai pescava. Tanto tempo no carro?, eu estranhei. Sim, ele adora, joga imenso, é óptimo nos níveis, informou a Luísa.
Mal chegámos, declarei que precisava de um local sossegado para dar de comer à minha filha. Mas como a Luísa estava impaciente para iniciar a ronda pelas lojas da calle não sei quê, ia andando e indicou-me vagamente onde eu a poderia encontrar mais tarde, nessa tal calle.
A pequena barriga de dez meses de idade que se passeava no carrinho empurrado por mim calles fuera já ia consolada com o lanche, quando encontrei a Luísa numa loja muito grande onde se ouvia uma espécie de música gravada num dia de obras em que se martelava muito, ou coisa do género. Encontrei-a na longa fila de pagamento com várias peças de roupa penduradas num braço, enquanto o outro segurava um biberão de leite que a sua filha bebia, sentada no carrinho. Notei o pequeno pescoço torcido para apanhar o jeito ao biberão, notei que os olhos da mãe pousavam nas maravilhas têxteis que ia adquirir, notei o empurrar do carrinho com um pé enquanto a fila avançava, notei que tentei oferecer ajuda com o biberão, não é preciso, ela está habituada, ria-se a Luísa, olha as coisas que eu comprei.
E depois notei que estava mesmo arrependida de ter vindo a Badajoz.
Nunca mais vi a Luísa a não ser há tempos, na televisão, a descrever as boas acções que pratica no exercício das suas funções profissionais e que ali acima se podem ler. Ainda estou incrédula.
Mas não em relação ao seu visível exemplar desempenho profissional, naturalmente.
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