Não acontece todos os dias, mas esta manhã estou junto à
impressora central a olhar através da janela e o rre rre rre da máquina
conduz-me a um estado de semi-transe, muito bom para me elevar a pensamentos
magníficos, não fosse sentir atrás de mim alguém à espera de vez. Encostado ao
armário onde se arrumam coisas que eu nunca vi, está o João, olá João, isto vai
demorar.
- Não faz mal, eu espero – o meu colega encolhe os ombros e
sorri ligeiramente.
Depois eu disse uma coisa muito engraçada da qual já me
esqueci mas o João não respondeu, está noutra onda e eu torno a mergulhar na
minha.
Não é costume acontecer algo absolutamente notável perto das
impressoras centrais, nem mesmo junto a estas com acesso à contemplação de muito cimento feio e carros estacionados. Mas hoje veio-me à memória a única
ocorrência quase de registo junto a uma máquina destas, não exactamente destas, uma sem códigos de utilizador e com tchklheqe tchklheqe tchklheqe em vez de rre rre rre, que isto foi andava eu nos vintes e agora ando muito à frente.
Não me lembro quem chegou primeiro, se eu se ela, e nem me lembro
qual era o seu nome. Sei que envergava um fato-macaco de um azulão-oficina, a fazer doer os olhos, requisito obrigatório nas aulas práticas a que
andava a assistir, mulher forte e única num curso de homens, morena, mexicana, e vou eu então
estás a gostar disto, de Lisboa, do curso, te gusta, eu sou simpática se me
apetecer, a moça há-de rondar a minha idade, ela a responder, sí me gusta, nada como o João, nem havia ali um armário, era um corredor
vazio, a máquina, a mexicana e eu. E de repente:
- No me gustan los hombres.
- Ai não?! – eu, penso que a dar um pequeno,
imperceptível, passo atrás. Não me consigo lembrar do nome dela, seria Consuelo, foi há tanto tempo.
- No. Solamente me gustan los maduros.
- Maduros?! O que é isso? – dado que me pareceu interessante a categoria “maduros”, fosse lá isso o que fosse, creio que
repus o pequeno, imperceptível, passo em frente.
- Maduros, viejos. Hombres viejos. Mira. - e faz com as mãos como se indicasse um cabelo grisalho, não sei como conseguiu, mas fez.
- Ah bom! São giros, são. Por acaso também acho, seguro que
sim! - apareceu-me um sorriso parvo, aliviado, saído especialmente para a
ocasião.
Depois desfiz o meu código de utilizador, que tem
encriptadas as datas de nascimento das minhas filhas, não vá algum gatuno
apetecer-lhe gastar resmas de papel em meu nome, e voltei-me para trás.
- Pronto, João, já podes.
Confidências a coberto de uma impressora avariada. :) A tecnologia é nossa amiga mas, às vezes, dá-nos cabo dos nervos.
ResponderEliminarBeijo, Susana. :)
É verdade, Maria, a tecnologia quando valha faz-nos lembrar que existe.
Eliminar(mas a impressora não estava avariada :-))
Beijo! :-)
Colegas distraídos e calados, dão-nos tempo para recordar ...
ResponderEliminarTétis! Que bom ver-te! :-)
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