a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

04/06/2016

Pai Nosso que estais nos pés (ou então não sei)

- Leite?!

- Sim, leite, leitoso, esbranquiçado…

- Desculpe lá… isso fica horrível, não ponha leite.

Nem sempre as minhas visitas semestrais ao cabeleireiro me devolvem um bem estar completo, especialmente se encomendo um tratamento global que é como quem diz dos pés à cabeça embora com algumas interrupções geográficas pelo caminho, cujo detalhe deixamos de lado.
O meu pé espetado para a área de atuação da Paula e ela horrorizada a olhar para mim. Horrorizada não é exagero.

- Oiça, ninguém põe branco leitoso nas unhas dos pés. Isso é o mesmo que nada.

- Então que cor sugere?! -  tenho uma mente aberta, embora não muito muito aberta.

- Uma cor viva, este vermelho, por exemplo. – e segura no ar o vidrinho vermelho sangue, um tom bonito, sem dúvida bonito.

- Não, isso não sou eu. É o branco leitoso, se faz favor.

Ela encolheu os ombros, suspirou como eu faço quando entro no supermercado devido a aborrecer-me ir ao supermercado, e com um jeitinho mesmo assim, vá lá, de um frete disfarçado, pincelou as minhas dez unhas dos pés com aquele tom todo muito mais eu. Foi provavelmente a quarta ou quinta vez na vida que pintei as unhas dos pés, isto contando com os dois casamentos que fiz sobram três no máximo, de modo que não vou mal para a idade que tenho, sendo que a cor foi provavelmente sempre a mesma.

Agora pergunto-me, será por eu ser assim tão esquisita com as pinturas das unhas que ontem a Clara Ferreira Alves me despachou à velocidade do som (se fosse para exagerar diria da luz, velocidade da luz) quando lhe fui pedir um autógrafo no meu Pai Nosso? Ela nem para o meu rosto olhou, para os pés é verdade que muito menos, que ainda por cima iam absolutamente calçados, mas talvez ali, de Pai Nosso na mão, ela tenha pressentido isto em mim, esta inabilidade para normalizar, me querer fazer bela, sei lá, esta coisa assim estranha, ninguém, ninguém pinta as unhas dos pés de branco leitoso, como toda a gente sabe.

Pois é uma simpatia, a CFA.

16 comentários:

  1. Susana, nunca - NUNCA - iria querer um autógrafo de uma pessoa que não olhasse para mim, que naquele caso representava uma das pessoas que se tinha interessado pela obra que escrevera. Desistia ali mesmo.

    Não tinha essa ideia dela.
    Há uns tempos encontrei-a na estação de Santa Apolónia, disse-lhe bom dia e ela retribuiu com um sorriso.

    Beijo e bom domingo!

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    1. Isabel, duvido que tivesses tempo para aplicar o teu nunca ali, a situação conclui-se em dez, quinze segundos. :-)

      Um bom domingo para ti também e um beijo de volta.

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    2. Explico o meu nunca.
      Para mim, um livro não tem mais valor por ser autografado, a não ser que seja de amigos ou de pessoas nas quais percepcione alguma empatia ou simpatia.
      Presumo que não terás sido a primeira pessoa a quem ela autografou livros e, assim, terás avaliado como a senhora funcionava. A não ser que ela tivesse sido muito diferente com os outros, já sabias ao que ias. Neste contexto, retirar-me-ia. Se por acaso, azar ou lá o que fosse, fosses a primeira a levar com a invisibilidade, puxava o livro.
      Não falo assim de cor. Já estive em muitas dezenas de apresentações de livros. Ainda aconteceu no sábado.Sou muito critica em relação às atitudes que os autores têm. As pessoas que lá vão não estão a fazer-lhes um favor e, naquele contexto, o autor é a pessoa menos importante. É ele que precisa mais dos outros e não o contrário.
      Na maior parte das vezes saio sem o livro autografado. Até já tenho saído sem o livro.

      Beijos, Susana!

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    3. Quando lá cheguei não havia ninguém para autógrafos. Havia sim um pequeno grupo de pessoas que percebi tratarem-se de amigos e que conversavam com ela. Aguardei uns minutos antes de avançar. Depois de mim também não vi ninguém para autógrafos.
      Bem, tenho de admitir que um despacho assim seria excelente nos balcões da loja do cidadão.
      :-)
      Beijos, Isabel.

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  2. Muda...Experimenta coisas novas. Vermelho é lindo. Que tal um dia arriscares e saíres da norma?

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    1. :-)
      O vermelho é lindo e não penses que não gosto de o ver nas outras mulheres, gosto mesmo (as mãos que tens lá no teu blogue, por exemplo, gosto). A minha mãe usa, a minha avó usava. E eu sempre gostei de ver nas mãos delas, que eram (as da minha avó) e são (as da minha mãe) mãos bonitas... quem sabe, AC, quem sabe.

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  3. nas mãos, de unhas rentes, apenas o brilho (quando não me esqueço).
    nos pés, ah, nos pés... nos pés, vermelho cereja escuro fica tão bem...

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    1. Bem... querem lá ver que vocês ainda me convencem mesmo a experimentar e depois ninguém me reconhece? :-)

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    1. :-)
      portanto poupas imenso nesse material, verdade? para não ganhares peso, digamos.
      :-)

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    2. e o que poupo invisto em lingotes de ouro...:)
      (fizeste-me rir :))

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    3. sim, lingotes de ouro, muitos! (eu nunca vi um lingote de ouro, mas imaginar, imagino imensos :-))
      (e tu a mim)

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  5. Querida Susana Rodrigues,
    Os escritores não deveriam estar em feiras. Gosto de os imaginar fechados nas suas torres de marfim muito altas, que os aproximam dos céus e separam da terra, como o pescoço separa a cabeça do corpo. Abomino a feira do livro precisamente por isso. Eu não quero conhecer os meus escritores, quero lê-los. E, quando muito, imaginá-los de monóculo, a cofiar um bigode, de chapéu preto... nunca transpirados e com pó a condizer com maus modos. Os meus escritores são virtuosos, não se exibem em zoos. Os meus livros mais valiosos, são os que li com prazer, depois de já outros os terem lido, e que outros ainda, depois de mim, também leram.
    Um beijo,
    Outro Ente.

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    1. Querido Outro Ente, percebo perfeitamente que goste de ler os livros já lidos e relidos antes de si. Eu, por exemplo, gosto de morar em casas onde já outras famílias moraram, nunca vivi numa casa estreada por mim, gosto de pensar que entre as minhas paredes contaram-se e viveram-se outras histórias. Mas desvio-me do tema.
      Agrada-me precisamente ver que os escritores são pessoas como nós, uns são afáveis, outros não. Os escritores são o tipo de artistas que mais admiro. Acho que se despem muito mais, que se entregam muito mais do que um ator, um pintor ou um escultor, por exemplo. Os escritores dão-nos um pedaço da sua alma, ou pelo menos é assim que eu os leio. Acho que os que não gostam de ter contacto com os seus leitores não deviam estar na feira do livro e deviam manter-se sim lá nessas torres deles, mas só esses. Os leitores têm o direito de os conhecer e eu aprecio que os escritores se deixem conhecer.
      Para mim a feira do livro tem sido, nos últimos anos, um "tirar a barriga de misérias" no que respeita a ter contacto com livros. Estive muitos anos afastada de livros por razões cá da minha vida e ainda não matei a sede com que fiquei. Isso não me deixa ver a feira como um zoo com escritores. :-)
      E resta-me dizer-lhe que gostei muito do seu comentário e desta nossa conversa.
      Outro beijo e boas leituras.

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  6. Pois eu, para juntar na mesma frase Clara Ferreira Alves e verniz, concluiria que a arrogância tem muito pouco verniz...

    Um beijo Susana(agora ainda me apetece menos ler o Pai Nosso).

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    1. Querida Teresa, eu ainda só li os primeiros capítulos do Pai Nosso. Mas vou terminá-lo, claro. É só conseguir largar a Hélia Correia por quem me apaixonei esta semana :-)
      Não compreendo porque se vai oferecer autógrafos aos leitores se na verdade não se gosta de leitores.
      Outro beijo, Teresa.

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