a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

31/08/2016

Ontem, hoje e amanhã (tipo um diário)

Já uso lentes de contacto há quê, trinta anos, quase trinta anos. E fiz uma coisa muito engraçada com elas, uma coisa que nunca tinha feito. Uma de cada vez, pus as duas lentes de contacto no mesmo olho e deixei o outro olho à míngua que é o mesmo que dizer à miopia. Ao pestanejar para acomodar as minhas lentes de contacto, como faço sempre desde há tanto tempo assim, vi logo que não via nada de jeito: uma mistura de vejo mal com vejo ainda pior. Perguntei mas qu'é isto agora? querem lá ver (que eu não consigo)?, e foi o arranhar do olho sobrecorrigido na pálpebra que me deu a resposta. Removi pois a lente encavalitada e devolvi-a ao olho de direito, o direito. Isto ontem.

E hoje? Hoje decidi experimentar a rua depois de estar em casa há uma semana sem parar e de ter bem distribuído as lentes de contacto à primeira, que é a esquerda, e à segunda, a direita. Devagar e em princípio sem coxear, saí de casa. A rua estava boa. Na calçada uma água cheirando a lava-tudo-floral revelou que tinha ali havido banho pela mão da porteira do prédio ao lado. Mas fui à padaria. Lá comprei o meu pão favorito e fatiado e bebi um café na continuação do balcão, onde deixa de ser padaria e passa a ser café, Ó Carla um café para esta senhora, já está pago!, diz a voz da padaria para os ouvidos do café, a senhora sou eu, digo à Carla ao aproximar-me com o pão já todo meu e obrigada, açúcar não é preciso, também lhe digo. Mas eu demoro imenso tempo a tomar um café para não me queimar. Portanto a Carla fez torradas e arranjou galões, serviu mais dois cafés e um sumo de laranja, preparou um pão de leite com queijo e sem manteiga, tudo assim até eu ficar pronta do café. Tornei então à rua para continuar a experimentá-la, mas ao atravessar a estrada fui interpelada pelo grasnarzinho familiar do papagaio do quiosque das flores, que informa o bairro todos os dias menos ao domingo da mesma situação: tjalp tjalp teren tjalp, e estive quase para ir lá embirrar com o papagaio, dobrar-lhe as penas, fazer-lhe olhos de má para lhe meter medo, no entanto sou muito boazinha e deixo-o estar no seu poleiro a coçar a barriga com o bico num momento raro de silêncio, optando por continuar a experimentar a rua que está tão boa.

Só falta amanhã, não é? Amanhã, sou pessoa para lá ir visitar o papagaio como quem não quer a coisa ao quiosque das flores e depois roubar-lhe uma pena verde, que ele das verdes tem muitas. A pena é para fazer de marcador dos livros exóticos que eu estiver a ler à janela ao som das variações do seu grasnarzinho que são nenhumas (outra pena).

(os papagaios não costumam grasnar, mas este completamente)

11 comentários:

  1. As minhas lentes de contato já andaram desaparecidas dentro de um olho durante três dias. Depois, uma manhã, a lente tinha voltado com ar de quem fez umas más férias...

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    1. Jesus, três dias com as lentes à deriva nos teus (grandes, certamente, e belos) olhos?! E conseguiste adormecer e tudo?! fu, tu tens fibra!

      (eu teria desmaiado ao cabo de uma hora a escarafunchar os olhos, que eu a pirata, querida Cuca, nunca chegarei - mas dou bem para governanta do navio, por exemplo, se servir)

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    2. A lente ficou presa na parte de trás do olho e eu vivi tão bem com o facto que até pensei que a tivesse perdido sem dar conta!!!! Parece que aquilo lá para trás é tipo cofre de pirata... Cabe tudo!

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  2. Deixei de usar lentes de contacto há mais de vinte e cinco anos (Céus... como estou velha !)para me tornar definitivamente uma caixa de óculos.
    Já quanto a café, sou também bastante demorada na sua toma e primeiro tenho que o "almarear" bem com a colher e algum açúcar, que eu ainda não sou abstémica. :)

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    1. isso do açúcar do café, é assim: um dia tomas um café sem açúcar, detestas. arrepias-te, sacodes a cabeça, fazes brrebreeebree. no dia seguinte tomas outro café sem açúcar e já não reages o programa tomo, ficas pelo arrepiar. à terceira vez achas bom. a partir daí nunca mais açúcar.
      comigo foi assim, pelo menos. :-) tão fácil.

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    2. Acredito, sim. Se calhar é só começar. Como na ginástica, vá... :)

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    3. ó luisa, experimenta lá. tomavas aí uns 4 cafés sem açúcar, a ver se ao quarto já vais adorar. e depois vinhas cá contar à gente e já tínhamos uma estatisticazinha. :-)

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  3. raios me partam se isto não a mais pura das verdades: não tinha ainda terminado a leitura do texto e já conhecia o destino da pena do papagaio... :)

    ______
    eu sempre disse que nunca ninguém leu policiais suficientes (fala uma devoradora da colecção Vampiro)

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    1. mas ó alexandra, para que serve uma pena de papagaio senão para marcar um livro, nos casos em que as donas - nós, vá - não têm chapéus para enfeitar? (mas é verdade qu eeu sou um bocado previsível :-))

      ah! e vampiras então somos duas, li todinhos os que apanhei na minha juventude. mas nunca - nunquinha - consegui acertar no criminoso nos da Agatha Christie, bah.

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  4. caraças, então estamos 1 a 0 :)
    mas ganhas-me nas ciências, a minha paixão mais do que perfeita, de tanta dúvida conter :)
    perdi! (oops :))

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    1. (se eu conseguir roubar duas penas ao macaco do papagaio, ofereço-te uma)

      o mal das ciências é que quanto mais sabemos mais dúvidas temos, tal como nunca viverei para ler os livros todos que gostaria de ler, também não viverei a tempo de ver uma ou duas dúvidas respondidas, é tão apaixonante como irritante.
      :-)

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