a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

18/10/2016

Um medozinho novo

A sala de embarque já estava cheia e o avião vazio, pronto para nos levar de volta a Lisboa. Bom, a mim de volta, a outros de ida.
- Lissabon. Eles dizem Lizzboua. – isto um rapaz atrás de mim na lenta fila de embarque, parecia feliz por ter Lisboa como destino e tentava pronunciar. Lizzboua. Em vez de Lisboa. Tudo bem, eu não disse nada, não me virei para trás e não meti conversa, não corrigi, tenho a mania de falar com as pessoas, é que eu gosto de pessoas. Eram três, vi pelo canto do olho: um rapaz e duas raparigas na idade para meus filhos, vá. Mas deixei-os em paz. Queriam também provar umas comidinhas em, com licença, Lizzboua, mas o meu holandês não chegou para identificar que comidinhas eram aquelas. Hélas.
O facto de eu gostar também, além de pessoas, de aeroportos e especialmente de aviões, acho-os estupidamente lindos, aos aviões, leva-me a isto: escrever a contar cenas sem interesse nenhum. Mas desta vez, no lugar de me reter e ficar quietinha a olhar para a parede, ir dormir mais cedo ou deitar mão a um livro, estou aqui mesmo. É que deu-me um medo novo de andar de avião: deu-me o medo de ir no avião com um telefone esperto daqueles que se põem a arder sem mais nem menos, pobres das pessoas que os compraram. E vi, chegámos finalmente ao ponto, vi na porta de embarque uma fotografia do telefone esperto em causa, com uma cruz vermelha em cima dele, do tipo, estes não entram no avião. Portanto ou a pessoa que teve o azar de comprar um daqueles deixa para ali o telefone abandonado num lugar que não se sabe qual é, ou a pessoa não abandona o telefone e não embarca e fica retida num país que não é o que lhe convém naquele momento e isso torna-se aborrecido. Ninguém revistou ninguém. Eu dá-me medo isto porque sei perfeitamente que os incêndios se propagam depressa nos aviões. Se o gigante coreano não se meteu a fazer os testes que devia ter feito àquilo e por conseguinte ter rejeitado o telefonezinho logo ali e deixado o da concorrência entretanto vingar no mercado, paciência, é a vida, as pessoas é que estão a sofrer e bolas, isso está mal. Isto já nem falando do próprio gigante coreano que, por causa das pressas de fazer a concorrência, imagino o stress do pessoal de trabalho lá do sítio, está como está. Eu não sei se o mundo anda maluco, mas é capaz.
Porém não ficamos por aqui. Já dentro do Boeing 737, diz o chefe de cabina para a gente assim: ladies and gentlemen, estava ali na porta de embarque um aviso para os telefones que se incendeiam voluntariamente ficarem lá fora, mas se por acaso alguém não reparou (que engraçado) e se há um telefone desses aqui connosco em bordo, é favor de o desligar, manter desligado todo o voo e nunca pô-lo a carregar, tipo safety reasons, ok?
Com isto lá me esqueci do meu medozinho e entretanto já cá estou.


(Em tendo um telefone desses, eu se calhar virava-o ao contrário, antes de ele esturricar, lia o número de quatro dígitos que vem ao lado das letras CE, ia consultar a base de dados NANDO na internet e via quem foi que aprovou aquela coisinha para a colocar no mercado europeu. Por curiosidade. Pelo menos. Mas talvez contactasse a entidade notificada e fizesse umas perguntazinhas ou outras.)

5 comentários:

  1. Dá para ter saudades, muitas saudades, do tempo em que não precisámos de telefones. Nem espertos nem dos outros. Dos outros havia, mas bastava usá-los só muito de vez em quando. Éramos felizes e não sabíamos. :)

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  2. ... do tempo em que não precisávamos...
    claro.

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    1. Eu às vezes subtraio-me ao alcance do telefone por um tempo e sabe muito bem. Principalmente o reencontro com ele sabe mesmo bem.
      :-)
      Agora a sério, acho que isso de "sermos felizes e não sabermos" acontece muito. Eu pelo sim pelo não declaro-me sempre feliz, para o caso de ser mesmo e só reparar nisso quando já não for.
      (desculpa, luisa, hoje estou particularmente feliz, daí a reação um bocado maluca)
      Um beijinho para ti.

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  3. O comandante falava um mau português:); não se faz. Quanto ao telefone...azarinho para quem o fez e o lançou tão às pressas. E será que devolvem o money a quem comprou aquele delito?

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  4. Falava um mau português, mas um perfeito inglês. :-)

    Segundo o que li, sim, irão devolver o dinheiro ou substituir o telefone. Mas a Samsung já está em muito maus lençóis depois disto. Evidentemente.
    Eu gostava que a concorrência de per si não se traduzisse neste tipo de corrida doente, que quanto a mim faz mais mal que bem à sociedade. A mim isto parece-me lógico. Mas com certeza não é...

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