Era ainda nitidamente criança quando o meu avô me levou, a
mim e às minhas irmãs, a visitar a fábrica da Laranjina C onde também se
produzia o Trinaranjus de laranja, nessa altura ainda só de
laranja. Eu não gostava lá muito de Trinaranjus, era sem borbulhas, isso é
verdade que sim, bebida lisa, fácil de engolir, mas gostava mais um bocadinho de Laranjina C que
recebia as borbulhas que o Trinaranjus não tinha, apesar de me fazer lágrimas nos olhos do esforço de beber as borbulhas.
O meu avô conhecia alguém da fábrica e quis levar-nos lá,
mostrar-nos como “se fazem coisas”. Eu achei tudo uma sujeira logo à
entrada, para começar. Depois, havia tanto barulho que quase não se ouvia nada do que o senhor amigo ou
conhecido do meu avô nos estava a dizer, e o sítio também cheirava esquisito; os meus sentidos
levaram portanto certo tempo a adaptar-se (não muito).
Deixei de tentar ouvir as explicações do senhor amigo ou
conhecido do meu avô quando a minha atenção foi capturada pelos movimentos estranhos que havia
ali. Certos, precisos, repetitivos, contínuos também: estranhos. Eram garrafas de Trinaranjus, olá!, que passavam por nós em fila, umas atrás das
outras, impossível distingui-las (tipo eram todas iguais), iam com pressa e eu achei-lhes cá uma graça, ainda
vazias, alinhadas num tapete rolante, apertadas em calhas, assim claro que não caem. Depois, mais à frente, sigo-as junto à
linha, era linha de montagem mas eu isto não sabia porque não ouvia nada
do que o senhor amigo ou conhecido do meu avô dizia, sigo-as então junto à linha e mais à frente, já cá estamos, são preenchidas as
garrafas com o Trinaranjus de laranja propriamente dito e não é que ficam todas com a
quantidade igual, mesmo igualzinha, faz um risquinho contínuo a superfície do
Trinaranjus de laranja que se agita ligeiramente nos gargalos dentro das
garrafas em fila e em andamento, a sério. Continuamos - venham - ao longo da linha,
que agora dá uma curva para trás senão o edifício tinha de ser muito comprido, elas
não param, as garrafas, todas direitinhas parece que sabem ao que vão, e é para levarem com a carica
na cabeça, olha as caricas!,
há uma espécie de braço mecânico, damos-lhe só agora o nome de braço mecânico,
que desce a todos os gargalos a enfiar uma carica, tchoncponc, o som já não posso garantir, isto é uma barulheira, mas seria tipo tchoncponc, movimentos tão certinhos, a
começar e a parar sempre no mesmo sitio, não se engana o
braço mecânico num único gargalo, deve, tchoncponc,
ter olhos.
Creio que foi nesse dia que me inaugurei no fascínio por
fábricas e hoje de manhã, tantos milhares de manhãs depois, quando observei com
atenção os meus óculos novos e me inquiri como teriam sido feitas as hastes, se
moldadas, se quê, de um lado pretas do outro transparentes a deixar ver dentro
um motivo colorido que não se percebe o que é, lembrei-me daquela visita à
fábrica da Laranjina C, pousei os óculos no colo um momento, a dar-me tempo para ir e voltar e agora resta só acrescentar, já que aqui estamos, que nenhuma
garrafa daquelas que passaram à minha frente nesse dia ficou sem carica.
(não digo que a minha memória não tenha sido reavivada ao ler isto)
(não digo que a minha memória não tenha sido reavivada ao ler isto)
fiquei com vontade de beber um trinaranjus...
ResponderEliminarde laranja :)
e eu bebo um de limão, à nossa, Manel!
Eliminar(deve estar aí um baita dum frio, não?)
Bolas, Susana... Escreves tão bem que até dá nervos... ;)
ResponderEliminarBem, NM, mas é com os teus posts que eu me farto de rir...
EliminarE que bom ver-te por aqui. :-)
Sou um tanto sem graça, eu sei, mas sempre preferi bebidas lisas ( no que a sumos diz respeito). O que vale é que não conheço nenhum grupo ativista nem a favor nem contra... Ou existirá?
ResponderEliminarNão, em princípio os grupos ativistas ainda não se lembraram das bebidas sem borbulhas, tipo Grupo Ativista de Defesa das Borbulhas Expurgadas das Bebidas Que Não as Querem? Acho que não...
Eliminar(agora, menina luisa, isso do sem graça é que não, viu? 'tá com nada)
Gosto de fábricas, das coisas alinhadas num corropio para saírem perfeitas, já sumos, não sou apreciadora, só se forem laranjas espremidas :)
ResponderEliminarEntão já somos duas, GM. :-) (a gostar de fábricas)
EliminarE também somos duas a preferir as laranjas espremidas (isso de beber sumos açucarados já larguei há décadas :-))
e o sumol, que era tudo o que os outros não são? :))
ResponderEliminarboa noite, Susana.
beijinhos,
Mia
Acho que o Sumol veio depois, nessa altura já não havia a Laranjina C.
EliminarE nunca cheguei a perceber se gostava mais do de laranja se do de ananás.
Beijinhos, Mia, e boa noite. :-)