a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

04/04/2018

Atendimento

Faltam seis números para a minha vez. Dentro da sucursal do banco o ar está pesado mas ainda consigo inspirar fundo. Se o fizer várias vezes seguidas começo a ficar tonta. Decido não esperar mais do que quinze minutos. Há muitas pessoas à espera, os seis números à minha frente destinam-se ao mesmo assunto que eu, mas o menu de atendimento tem mais assuntos possíveis, é eletrónico. Noto que as pessoas que entram demoram-se a ler o menu antes de selecionarem a opção no ecrã tátil. O sistema é novo na sucursal. Acabaram de entrar alguns ciganos: uma mulher, dois homens e um adolescente. Conversam baixinho.
Logo depois, chega a minha vez. Sou atendida por uma funcionária que parece feliz por ali trabalhar. Sem saber, empresta-me alguma energia. Recebe-me com um sorriso e palavras frescas. A seguir, toma tempo para responder às minhas questões, faz as três operações que lhe peço, uma delas demorada. Pede desculpa quando interrompe para aclarar a garganta bebendo um pouco de água da garrafa de plástico que tem em cima da secretária, mesmo ao lado da máquina de contar notas.

18 comentários:

  1. Foste ao estrangeiro?! Não sabia que ainda havia funcionários contentes com o trabalho neste país! (desculpa .. Hoje sinto-me corrosiva)

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    1. Querida Mafalda, foi aqui, mesmo. Mas estranhei, de facto. Foi bom de ver, mas estranhei.
      Um dia li algures que a percentagem de pessoas descontentes no seu emprego é de 76. E é bem capaz de ser verdade.
      Um abraço mais apertado.

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  2. Susana, independentemente da felicidade que sintamos ou não no trabalho e das condições que tenhamos, o público deve ser sempre tratado da melhor forma, assim como aqueles que nos rodeiam.
    Reivindicação é uma coisa, educação é outra e que não deve ser influenciada pela primeira.

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  3. vivi um episódio semelhante a semana passada, e num local com o mesmo propósito. acabei a elogiá-la quando contei o sucedido, e reparei que assim é que devia ser sempre. quando não é, as razões ultrapassam-nos, mas também não temos culpa. não tenho tido grandes razões de queixa em muitos serviços, cujas condições de trabalho não são fáceis. será que, a nossa abordagem,não se reflete também, na forma como somos atendidas?

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    1. Penso que sim, mia, que a nossa abordagem enquanto público pode influenciar a forma como somos atendidos. No entanto, neste meu caso não fui eu a influenciar nada, a funcionária era mesmo de excelência. Eu até ia meio tonta de tentar respirar naquele ar pesado. :-)

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  4. Susana, fui a correr ao supermercado, na caixa, limitei-me a responder ao boa tarde da senhora, sorrir, (sabes, não há muito tempo, li, que as pessoas que, por um qualquer motivo, consideram estar num patamar superior em relação às outras não sorriem nem devolvem sorrisos, mas que palermas, não achas?), continuando, disse obrigada quando se justificou, voltei a desejar um resto de uma boa tarde e quando já estava para aí a um metro da caixa, disse a senhora alto e bom som, "É um prazer atender uma pessoa assim, se fosse toda a gente assim isto não custava nada", olha, voltei a dizer obrigada (agora estava o sorriso de orelha a orelha, confesso-te) sem parar o andar apressado da saída e a pensar, mas o que terei feito que não seja o básico? Pelos vistos não é, até porque já me disseram algumas vezes coisas deste género em atendimentos. Como li agora ali no comentário da Mia dos Santos também pergunto "será que, a nossa abordagem, não se reflete também na forma como somos atendidas?"

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    1. Sim, acho palerma considerarmo-nos num patamar superior e por causa disso não sorrirmos (como diria a minha filha: what?!). E também vejo que quem atende público em geral nem sempre é tratado com cortesia, muito menos um sorriso.
      Mas a propósito lembrei-me agora de ter visto há muito tempo, numa lanchonete nos EUA, acho que na Califórnia, quando pagava o meu consumo à saída, junto da máquina registadora, a palavra "smile" no visorzinho monocromático virado para a funcionária que fazia a conta e recebia o pagamento dos clientes. Achei curioso. E fiquei a pensar que preferia que o sorriso dela tivesse sido natural. Sendo artificial, para mim pelo menos, pouco vale.
      Interessante tema, não é? :-)

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    2. É interessante, é. E poderia dizer-te tantas coisas sobre, tantas histórias reais, que nem dá para organizar para um comentário. Mesmo assim sei que vou pôr-me para aqui a escrever e vai ficar assim um daqueles comentários que nunca mais acabam.
      Sabes, é que também sei como é estar do lado de quem atende, há muitos, muitos anos, era eu uma criança :-) atendi público numa conservatória, que tinha sempre tanta gente, mas tanta gente para atender, que às vezes parecia que estava instalada uma guerra civil e as armas vinham em formato de senhas. A maioria das pessoas tinha de faltar ao trabalho, depois os assuntos que as obrigavam a estar ali eram chatos, em dias mais complicados tinham de esperar e esperar até chegar a sua vez, dá para fazer uma ideia da disposição com que ali estavam, não dá? Já sabia muito bem o efeito que um sorriso pode ter, mas ali confirmei que é poderosíssimo, e não é uma artificialidade, é pores-te no lugar do outro, saberes que aquilo é chato e de alguma forma tentas contribuir para minimizar a chatice, tu não és uma máquina, a pessoa que está à tua frente também não é, o mínimo que podes fazer é olhar nos olhos, dar atenção, o sorriso vai acontecendo naturalmente, às tantas, já são duas pessoas a colaborar e não uma contra a outra, a pessoa saía dali mais bem disposta e tu também ficavas a sentir-te mesmo bem. Se isto era sempre fácil? Não, nos dias em que o trabalho era tanto, tanto, era tanta coisa para fazer ao mesmo tempo, dava uma sensação de impotência desesperante, uma vez tive de ir chorar para a casa de banho para aliviar a aflição, depois é seguir em frente como se nada fosse. Vou fazer uma comparação, já ouviste os artistas dizerem que fizeram um espectáculo em dias particularmente difíceis para eles, alguns, no dia em que o pai morreu, o Herman, por exemplo, como podes imaginar estariam tudo menos felizes, mas o público não tinha culpa disso e eles estiveram lá, como sempre, e de forma a que ninguém notasse.
      Depois também aconteciam coisas maravilhosas, pessoas que voltavam para te oferecerem flores apenas pela forma como as tinhas atendido, sim, imagina, acontecia, não é maravilhoso?
      Isto já vai enorme, Susana, nem quero ver depois de clicar no publicar...Pronto, para concluir, digo-te que, esse "smile" no visorzinho monocromático, talvez estivesse lá para lembrar à funcionária que por mais rotineiro que seja o trabalho dela é uma pessoa que vai pagar o consumo à saída e não um número, e, quem sabe um sorriso artificial, depois, não faz nascer dois naturais?

      Este, que vai agora ficar aqui, é cem porcento natural, garantidamente, :-)

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    3. Cláudia Filipa, os seus comentários são maravilhosos :)

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    4. Ah! Pessoa cujo nome desconheço, muito obrigada, mesmo. Sabe
      que vim agora aqui, toda envergonhada, separar ali aquele "porcento", que cem por cento é que está certo, e agora tinha aqui este seu comentário, claro que resultou num outro sorriso, também cem por cento natural, este, todo para si :-)

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    5. Anónimo, é mesmo! Os comentários da Cláudia são tão bons, que é uma pena ficarem aqui escondidos na caixa de comentários. E muito obrigada também pelo seu. :-)

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    6. Cláudia, os teus comentários são mesmo maravilhosos, como diz o(a) Anónimo(a). E são-no, não só por terem uma profundidade nutritiva, digamos, como também por serem sempre cem por cento naturais. Muito obrigada. :-)
      Fizeste-me rever o meu torcer de nariz com aquele "smile" no visor que originava um sorriso artificial, porque tens razão: era artificial mas tinha o potencial de gerar dois naturais. E por isto agradeço-te outra vez.
      Quanto à tua experiência de atendimento ao publico, que coisa bonita deve ter sido. Há dias vim tão triste das finanças, eu ia lá com uma dúvida tão legítima e lógica e fui tratada como se fosse burra e totalmente incapaz de entender palavras escritas em português. Mas não deixei nenhuma reclamação, expliquei apenas à senhora que podia falar comigo de outra forma e não era preciso ser tão alto, que ouço bem, essas coisas. E agora acho que me vou repetir, mas ainda assim: se te apetecer escrever mais e continuares a não querer ter um blogue teu, estás convidada para este, ele (o blogue) ia adorar. E os leitores? Uf! :-)
      Bom fim-de-semana, Cláudia.

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    7. (Imagina-me de mochila às costas, a fazer mesmo questão de arranjar tempo para vir viajar pelas vossas palavras, um momento de puro prazer cá muito meu este circuito bloguístico, que passou a fazer parte da minha vida, cada um de vós com o seu estilo, cada blogue com a sua atmosfera muito própria, acho fantástica esta vossa ideia de terem um blogue, isso é coisa de gente interessante, e o que eu quero mesmo é continuar a ser vossa leitora e, sim, dizer coisas quando fico cheia de vontade de dizer, mas como consequência do que li. Acho que merecem muito leitores só leitores, é isso que quero continuar a ser, leitora só leitora.
      Muito, muito obrigada, Susana, mais uma vez, por escancarares as portas do teu blogue para mim, por me deixares largar assim a mochila em qualquer lado, por teres feito, sempre, esta teimosa itinerante sentir-se em casa :-))

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    8. Pois, eu sei, eu sei... tu já me tinhas dito isso mas eu estava a fazer-me de esquecida e assim (mas sem a mochila às costas, não trazias a mochila). :-)
      "Puro prazer". Tal como estes teus maravilhosos comentários. Obrigada, Cláudia.

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  5. Quando encontro alguém feliz no seu local de trabalho, fico aliviada.

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