a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

16/11/2018

Guádadamêndoas

Se não tivesse vindo calhar ou-tra-vez na carruagem do silêncio, não o teria quebrado ao correr o fecho da mala do computador, rrrrrrr, para escrever este post que afinal ainda quis vir.
Mas quer dizer, é coincidências. É, singular, coincidências, plural. E aposto que assim está bem muito obrigada.
A carruagem do silêncio, para além de mim toda caladinha, traz um homem e um gelado Magnum, em que um vai comendo o outro, e traz também o casal metade tatuado que vinha no mesmo voo que eu, logo na linha da frente. A parte tatuada do casal, ele, fala português do Brasil e tem o olhar firme de um homem que sabe o que quer todo o tempo completamente. Ela fala português Europeu, parece que se diz assim, Europeu, que nós não vamos para Lusaexit nenhum, e que se veja ela não tatuou ainda nada. Falavam, no avião, acerca das tatuagens (dele). Apontando para os dedos, ele explicou que essas doeram. Nos dedos. Nas mãos e nos braços não tanto. Mal sobrava pedaço de braço dele, escrutinei, mas sobrava ainda o suficiente para ele esclarecer que ali mesmo, junto ao pulso, vai fazer um padrão, que ainda cabe um padrão e ele gosta muito de padrões. Ela ouvia, atenta. Para além das tatuagens e do olhar de quem não acomoda dúvida nenhuma, ele tem alargadores nas orelhas. Aquilo faz-me uma impressão muito grande olhar e quando sem querer olhei enquanto comia a sanduíche de avião, tive de esperar um bocado antes de continuar a comer. Mas depois lá foi a sanduíche, que em Português do Brasil é masculino, o sanduíche, por ali fora sem tanto problema. Estou a ficar mais ao jeito bom, é o que é. Mas então agora vêm na mesma carruagem do silêncio que eu, o casal metade tatuado. Só que eles na deles e sem fazerem o silêncio qual quê. Claro que ignoram que esta quasi-velhota com um casaco maior do que era preciso compreende muito bem os seus portugueses, o Europeu e o Americano, e lhes ouve a conversa sobre uma ida muito especial às Amoreiras e tal e tal.
Antes de fechar, anotamos que os caixotes do lixo em formato de gaveta metálica desta carruagem do silêncio fazem tanto barulhão a abrir e a fechar como os das outras carruagens. Quando o homem sentado à minha frente lá meteu, primeiro, o papel do Magnum de amêndoas que vinha a comer e, depois, o pau, é que eu reparei.

Para alindar este final que ficou um bocado esquisito sem querer, acrescentamos a doçura saudosa de a minha filha mais nova, em pequena, chamar “Guádadamendoas” ao mencionado gelado.

10 comentários:

  1. Um gelado e um homem com tatuagens que se lhes vê (lhes, plural vê, singular, o pior é que não sei se está bem escrito mas vou lá pelo instinto: está) fizeram-me lembrar o Verão. Ou tinhas este post estava em rascunho, ou eu sou doida.

    Bai da uei, mas sem ter nada a ver, o post anterior tem uns comentários um bocado ilegíveis, não tem? Isto prova que há muito tempo não mexias no blogue.

    Bom fim de semana, Susana.

    :-)

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    1. Olá Gina,
      O post foi escrito de rajada, ontem, no comboio. O homem estava de manga curta no avião, é verdade, mas o ambiente nos aviões é independente das estações do ano, etc. :-)
      Sim, já não vinha ao blogue há semanas. Um dos comentários em árabe é publicidade para limpezas domésticas, segundo o Google. Os outros devem ser idênticos.
      Bon fim-de-semana, Gina. :-)

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    2. Ah, escrever em directo e de rajada, gosto tanto :-)

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    3. Eu também gosto de escrever de rajada. Aliás, eu também gosto de escrever. :-)

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  2. Tanto tempo de silêncio no blogue Susana...e ainda por cima a frequentar essa carruagem?! Não pode ser, dê-nos mais a música das suas palavras, quase sempre a terminar numa gargalhada...que bom é.
    ~CC~

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    1. O silêncio pode ser um lugar tão bom e tão raro.
      Isso de ler música nas minhas palavras é música para os meus ouvidos!

      Obrigada pelo comentário, CC. :-)

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