Ultimamente, sempre que cruzo a estação de caminho-de-ferro
de Montparnasse, sigo pela rota que tracei da primeira vez, apercebi-me. No
alto, junto aos ferros organizados em estruturas firmes almejando beleza, desconfio,
donde pingam fios de sujidade que os pombos fintam no seu voar velho, anda o
meu pensamento. Vai longe, fora de mim, é isso que quero dizer. Traduz-se
numa pergunta: haverá alguém, alguém com dia-a-dia, alguém de todo, que chame
casa a esta estação de comboios? Ora vejamos, eu, supondo que sirvo para algo, procuro experimentar-me nisso. Subo, então, dos confins subterrâneos do metropolitano pelas
mesmas escadas rolantes encimadas das inscrições que persigo: “Hall 1 & 2
Grandes Lignes”. Tento imaginar o tamanho das prensas aptas a imprimir um cartaz
destes que, de área, deve dar dois do meu quarto em Lisboa. Certa lá subo, então, nesta escadaria andante e, outra vez, deito o
olhar para a cobertura da loja de jornais que vai ficando abaixo de mim. Jornais,
se não for de capas de telemóveis plásticas feitas na China e caixinhas de
souvenirs; eu só me interesso pela cobertura. Esta a que, por ser plana, não chamarei
telhado. A sujeira que lá descobri residente logo dessa primeira vez continua a
atrair-me, mas não a tenho visto aumentar. Nem desaparecer, evidentemente.
Ninguém limpa aquela cobertura. Levo quinze minutos no percurso a pé sempre
dentro do estabelecimento “Gare Montparnasse”, edifício de estrutura fractal (e
metálica), extraordinariamente particular. Entro, depois, na mesma loja onde
compro o almoço todo invariável – preciso de fazer algo meu, um hábito, se
puder ser, e olho as revistas. Mas deixo-as ficar a prometer. A
cara da lojista já eu conheço, hum, asiática, possivelmente com mistura da
américa do sul. Quis até perguntar “Ça va bien?” ou coisa assim, mas ela não me tinha
registado, obviamente. E lá faz o que tem de ser: espreita torcida de trás do
balcão a ver se na escolha da sanduíche que estou fazendo junto ao armário frigorífico,
desvio algo para dentro do bolso e corro sem pagar. Uma ideia alheia. O seu
pescoço esticado apressa-me o processo de seleção e corro mas é para ela, uma ideia mais caseira. Pago e saio dali ainda com tudo na mão, por arrumar, um smoothie
com baunilha e a sanduíche vencedora, de formato triangular que nunca entra em algum
espaço vazio de qualquer mala que seja, sinceramente. Os pombos lá continuam em
voos cimeiros torneando as barras estruturantes, arquitetónicas e sei lá se
bonitas: muito empoeiradas. Arrumo a mercadoria na mala como pode ser, o papelzinho
que a lojista me deu e a carteira e, pelo canto do olho entra-me um pardal
macho (os machos são mais lindos) à cata de migalhas naquele chão tremendo. Não
sei como não morrem da sujeira estes pequenos bichos. Retomo o passo: ainda não
foi desta que este lugar ficou qualquer coisa meu. Talvez quando a lojista me conhecer
também a cara e deixar de me vigiar os gestos. Entretanto, perdoo-lhe a cena, fazer
o quê?
Oh Susana, comer de pé num sitio desses não deve ser lá grande coisa e ainda para mais com desconfianças à mistura...mas é a vida muitas vezes, não são postais turísticos de Paris e do resto do mundo, são as estações de comboio sujas e pessoas tristes e apressadas, o que nunca se mostra...obrigada por nos trazer o mundo como ele é.
ResponderEliminar~CC~
Não foi assim tão mau, comi o almoço sentada no comboio.
EliminarQuerida CC, trago o mundo como eu o vejo, e olhe que o vejo muito mais bonito que feio. Mas que me tenho impressionado negativamente com alguns lugares decrépitos e imundos em Paris, isso tenho.
:-)