a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

25/07/2019

Fatia de manhã

Saio de casa com os sapatos novos comprados no âmbito de uma estratégia especial não abrangida por este post, e vou à farmácia. Lá, espero um minuto com a senha de vez na mão. O farmacêutico já me conhece desde ontem e responde à pergunta sem eu a fazer. O medicamento havia chegado de acordo com as previsões mais otimistas, para variar. Poupo-me, assim, de ir à farmácia por um tempo suficiente que faça este farmacêutico - e os outros que me cumprimentam, olá como está - esquecerem-se de mim.
No regresso a casa fiz um desvio para comprar pão e venho com este a pensar no que vou dizer à polícia mais logo, acerca de um assunto de desaparecimentos misteriosos em minha casa. Quase esbarro com a querida vizinha do terceiro, personagem já habitual deste blogue, que está a conversar com outra, do mesmo nosso prédio. A primeira avisa-me que vou com uma cara tão fechada, mas o que vem a ser isto? A outra aproveitou para se despedir que ia com pressa e ficou a vizinha do terceiro a adivinhar o que eu levava dentro da cara, fechando-a assim. Dissertei poucochinho sobre o tema, que tem desdobramentos dolorosos que nunca mais acabam, e eis que aparece também o pai da família triste do prédio. Vinha sozinho e deu os bons dias a sorrir. A sorrir! Ele, que tem uma carga às costas incomparavelmente mais pesada que muitas, incluindo a minha. Continuou. Nós também, ali paradas, a manhã a desenvolver-se em redor, o verão, o chilrear dos melros e das rolas, ocupadas com o tema meu a ser o ponto central, que agora me pareceu de uma desimportância atroz perante o senhor da família que é tão triste, isto apesar de me fazer doer a todas as horas, há muitos meses.