Será, como sempre, uma atividade de equipa. Os enfeites são pesados, altos postes em madeira, é preciso remover uma pedra do passeio em frente de cada casa para os enterrar bem, vão lá ficar uma semana. Os homens fazem esse trabalho, algumas mulheres também, duas a duas consegue-se. Depois martelam-se as estacas que prendem as faixas laranja ao chão, combinando com as faixas encarnadas, brancas, azuis que pendem verticalmente. As cores representativas do país. Não ficam muito lindas umas com as outras, mas nestas situações de festas da vila aceitam-se melhor os folclores, ninguém se vai importar com cenas chatas de estética e tipo isso.
Vai ser a primeira vez que montamos os enfeites com o vizinho irrequieto, barulhento e até agressivo, aquele do absurdo cortador de relva. Como serão os seus dotes de cooperação?
Muito antes da hora do almoço, a rua estará pronta. Cada poste de enfeite ostentará um arado de madeira, cem por cento inspirado no nome da rua, cem por cento feito à mão por um vizinho que mais tarde se mudou para a Noruega depois de ter enviuvado. Acho que são quase trinta arados que todos os anos saem das garagens, cada casa tem o seu, e voltam a erguer-se nos seus postes. Ele deve ter sido carpinteiro nas horas livres. Ainda conheci a sua mulher. Vieram ambos dar-nos as boas-vindas no verão de dois mil e dezoito, quando chegámos. Trouxeram de presente uma espécie de cabaz de natal mas em agosto. Tomámos café no jardim, apresentámo-nos, falámos das nossas vidas, contámos dos filhos, das nossas idades. Ela era uma senhora muito bonita, lembro-me de ter pensado como aos setenta anos se pode ainda ser tão bonita. Num braço, tinha uma faixa branca, um grande curativo. Disse-nos que era o cancro, que iria morrer em breve. Disse-nos isso com uma tranquilidade própria de quem fala de dias felizes, não da sua morte iminente. Morreu em dezembro desse ano.
Sempre que chega este sábado de agosto e participo na decoração da rua, martelo as estacas das faixas laranja, ajeito o enfeite com o arado de madeira pregado no poste, penduro as luzinhas que, ao final da tarde, se acendem com as suas bateriazinhas, sempre que chega este sábado de agosto, dizia eu, lembro-me desse vizinho viúvo que se mudou para a Noruega. Penso em como ele estará e se alguém daqui, algum outro morador mais antigo, lhe envia fotografias dos seus arados a enfeitar a rua, depois do trabalho concluído.
Mas hoje vou perguntar.
Ai, Susana, este teu texto... E têm-me acontecido muitos "Ai, Susana, este teu texto" por um motivo ou por outro, apenas não disse (e até temos tido direito a bandas sonoras e "a curtas" que dão conta de situações e tudo), mas agora também fiquei a desejar muito que esse vizinho, se nunca recebeu, receba agora fotografias dos seus arados a enfeitar a rua
ResponderEliminarE que seja bonita a festa, querida Susana!
Ah, Cláudia, e os teus comentários! Este e todos os outros, carregados de generosidade! Muito obrigada, querida Cláudia.
EliminarFiquei então a saber que o tal vizinho viúvo agora vive perto da sua filha, duas casas num mesmo terreno, a 10 km daqui! Por isso, se ele quiser, pode cá vir ver os seus arados, de certeza que sabe perfeitamente a semana em que eles ficam expostos, na rua.
(acredita que fiquei mesmo contente por também ter ficado a saber essas notícias do senhor. Muito obrigada, também!)
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