Deito-me tarde quase sempre.
Por causa do fervor de querer esticar o dia para as horas em que já não pertenço senão a mim e o balcão dos meus expedientes já fechou.
Fecho também os olhos e a tontura do sono vem-me abrandar o fervor, num deleite que abraço.
E isto é no momento em que entra na rua o camião do lixo com o estardalhaço habitual, a luz laranja a dançar na minha janela, mesmo assim, sem ver, conheço-lhe a polka.
É camião vigoroso, este da nova frota. Tem flores verdes e tudo, pintadas na sua lateral. São bonitas.
Mas naquelas entranhas mecânicas encaixa o motor que não é daqui, senhores engenheiros. O seu rugir ressona com a caixa, estão a ver? A ouvir estou eu.
Com a caixa, esta, que é a estreiteza dada à rua pelos prédios altos, frente a frente. E a janela, bolas. A janela põe-se louca, transtornada, vibram-lhe os vidros desesperados, chateados com o som que não cabe, chega-te para lá, havia a rua de ser mais larga, e o vizinho do quarto andar podia estacionar em espinha as suas carrinhas Mercedes.
Um dia, se o camião do lixo me partir os vidros da janela enquanto estou a adormecer, ninguém vai acreditar em mim.
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