a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

11/11/2013

Outono


Castelo de Doorwerth, Países Baixos

Não foi neste outono, foi noutro. E estava frio.

Caminhávamos no tapete de folhas caídas. Falavas da tua trilogia que eu não entendo, aquela dos senhores e dos anéis. Saía fumo branco da tua boca a acompanhar a história, a torná-la mais autêntica, reparaste? Contavas que o velho tinha cento e onze anos e fez festa de aniversário. Disso gostei. Continuaste, que a história é longa e o caminho das folhas também.

Não sei quanto tempo andámos assim, o teu narrar interrompido pelas minhas perguntas, que escasseiam à medida do teu progresso. O meu nariz estava muito frio, lembro-me, e isso tornava as minhas palavras pesadas, calei-as. Tu continuaste.

A tua história de homens pequenos e homens maus, escuridão, coragem, medo e perseguição, ilustrava o mote que move os povos e produz as guerras, o poder.

Eu disse-te, mas tu já sabias, que nunca entenderei a guerra, que não entendo a sede de poder. Tentaste explicar-me a lógica, o inevitável, as forças instaladas e eu, então, não te pude ouvir mais.

À nossa frente estava o castelo e o cenário acordou-me dos porquês. Estaquei o passo, tirei a máquina do bolso, as mãos entorpecidas pelo frio, fotografei. Enquanto a devolvo ao meu casaco grosso, penso que talvez tenha sido o poder a fazer nascer isto. E eu, que o não entendo, que o rejeito, acabara de lhe fotografar um feito.

Entrámos na cafetaria instalada para os visitantes. A lareira da sala estava acesa e cheirava a café. Ouvia-se Mahler em fundo. Nas paredes, obras de autores deste tempo, coloridas, destoam da tua história e desta sala de pedra, velha, que as patenta sem as entender. Dei uma volta a cumprimentá-las - não se passa por uma obra sem a cumprimentar - enquanto encomendavas o café.

Sentámo-nos perto da janela, para que eu não perca o outono de vista. Porque me encanta assim?

Com o café quente na mesa e o nariz descongelado, anuí, enfim, a ver o filme contigo. Só porque me contaste a história naquele outono.

Mas isso eu não te disse. O café está bom, tu gostas da tua trilogia, as paredes ostentam obras das quais nada sabem e eu talvez um dia entenda isto.

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